Produtora de "Terminator" e "The Walking Dead": "Nem todo o progresso tecnológico é positivo"
Gale Anne Hurd, uma das mulheres mais poderosas de Hollywood, é homenageada pelo MotelX.
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Criadora e produtora, com James Cameron, com quem foi casada, dos primeiros "Terminator" e figura por detrás, nos últimos quinze anos, da série "The Walking Dead", Gale Anne Hurd está em Lisboa, onde aliás passa algum tempo, no seu apartamento no Príncipe Real, para ser homenageada pelo MotelX e ter um encontro com os fãs portugueses. A norte-americana, uma das mulheres mais poderosas de Hollywood, recebe o primeiro Prémio Noémia Delgado, em honra da realizadora mais conhecida pelo documentário "Máscaras", e que é destinado a honrar o trabalho de mulheres no âmbito do cinema fantástico e de terror. Hoje, pelas 19h15, dá uma muito aguardada Masterclass.
Qual a sensação de receber um prémio de um festival como o MotelX?
É magnífico que exista um festival dedicado a este género, tantas vezes tão desprezado. E é uma honra receber este prémio, enquanto mulher e produtora, em memória desta realizadora portuguesa. Sinto que partilho muitas coisas com ela, no género de cinema a que nos dedicámos e porque também produzi vários documentários etnográficos. Acho que poderíamos ter algumas conversas maravilhosas.
Os filmes e as séries que produziu são muito populares em Portugal.
Estou muito entusiasmada por percebê-lo e por ir ver os filmes no meio dos fãs. Tenho a certeza que muitos deles os irão ver pela primeira vez numa sala de cinema. Estou muito entusiasmada por ir estar com eles e ir ver filmes ao lado deles, não só os meus.
Qual a importância de ter começado a sua carreira com Roger Corman?
Nunca teria tido uma carreira se não fosse o Roger Corman. Ensinou-me tudo, embora em alguns casos tenha sido para não seguir o caminho dele. A primeira pessoa a quem nos dirigimos para financiar o "Terminator" foi o Roger Corman, que disse logo que não. Mas porque o dinheiro que nos podia dar não seria suficiente para fazer um bom filme. Precisávamos de mais dinheiro. E tinha razão, como quase sempre.
A Gale e o James Cameron alguma vez pensaram estarem a fazer alguns dos filmes mais populares de sempre?
Quando nos conhecemos, o Jim estava a fazer modelos de naves espaciais para o Roger Corman, de quem eu era assistente. Quando começámos a falar de fazer filmes juntos, a única coisa que queríamos era fazer um filme que tivesse sucesso nas bilheteiras, para depois poder fazer mais um. Era essa a nossa ambição. Mas nem nos nossos sonhos mais loucos imaginámos o que aconteceria a seguir com as nossas carreiras.
E o Arnold Schwarzenegger, sentiam que ia ser uma estrela?
Nunca conheci ninguém como ele com tanta confiança em si próprio. Na altura, só era conhecido pelo "Conan, o Bárbaro", mas desde o nosso primeiro encontro que percebemos que, se ele quisesse ser uma estrela, ia sê-lo.
Ao longo da sua carreira sentiu uma dificuldade adicional por ser mulher?
Claro que sim. E ainda hoje. É mais fácil hoje, é claro, sobretudo para mim, pelo que já fiz. E fui abençoada, fui trabalhar para o Roger Corman, que acreditava nas mulheres. O primeiro filme em que trabalhei era dirigido por uma mulher. Ele tinha mulheres em todos os departamentos. Foi só depois de deixar de trabalhar com ele que percebi que era quase impossível, mas nunca desisti.
O cinema mudou muito, nestes últimos 40 anos...
Uma das coisas positivas é que hoje, e estou a falar dos Estados Unidos, há uma maior aceitação dos filmes em outras línguas. Quando trabalhei com o Roger Corman na New World Pictures, ele também distribuiu filmes de Kurosawa, Bergman, Truffaut, Schlondorff. Sempre gostei de filmes de todo o mundo. E hoje são mais aceites e ganham Oscars, em todas as categorias. De tudo o resto, não posso dizer o mesmo.
O que mudou então para pior?
A consolidação na indústria, com a fusão de companhias. Há menos compradores e menos salas de cinema. Pode parecer estranho vindo de mim, mas há demasiado foco em sequelas e remakes. O que vamos ver nos próximos anos é o impacto da Inteligência Artificial na indústria. Estou muito preocupada. O nosso segundo "Terminator", em 1992, era um aviso. O que quisemos dizer é que nem todo o progresso tecnológico é positivo.
Pode falar um pouco da sua experiência mais recente na televisão?
Comecei a trabalhar na série "The Walking Dead" em 2010. Antes, trabalhar na televisão era considerado descer de nível, para quem vinha do cinema. O que mudou foi a possibilidade, que não havia antes, de contar uma história ao longo de vários episódios. Há histórias muito mais arrojadas. E já não há esse estigma. Os melhores argumentistas, realizadores e atores trabalham tanto no cinema como na televisão.