Ao segundo disco, Genes trocou as canções sobre o desejo e a euforia juvenil pelo desconforto da solidão. "Dessa dor chega uma alegria", diz o jovem músico, que se apresta para apresentar o disco em Lisboa e no Porto já na sexta-feira e no sábado.
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Cinco anos depois de "Pessoas", Genes, alterego artístico de Luís Teixeira, tem um novo (e homónimo) disco, com o qual acredita ter-se emancipado do registo anterior, ainda muito marcado pela exaltação típica da juventude.
"Era demasiado mimado nessa altura. Não tinha passado por dificuldades suficientes que me permitiram ser mais cru em relação a essa dor que é boa e que sabe bem poder vivê-la para criar", diz em entrevista.
Galeria Zé dos Bois (em Lisboa, na sexta) e Espaço Compasso (no Porto, no dia seguinte) são as datas iniciais para a apresentação do disco.
O álbum está pronto há dois anos, mas só agora saiu. Porquê este "delay"?
A pandemia não me ajudou... Nem a mim, nem a muitos outros artistas com quem queria ter feito o disco inicialmente... Mas ainda bem que assim foi porque deu-me mais tempo para escrever algumas canções novas como "Viver Sozinho", canções que não podia ter escrito nesta altura de 2020 por estar demasiado rodeado de pessoas e não em estado de "isolamento" como acabei por ficar na pós-pandemia.
Devido a essa espera de dois anos, chegou a ponderar fazer tudo de novo ou, pelo menos, introduzir muitas alterações?
Sim, houve muitas inseguranças... Lembro-me de ter havido um período onde queria deitar todas estas canções fora! E não estava muito seguro com as mixagens, muito depois de ter gravado... por sorte tive a ajuda do Luís Severo que depois me assistiu nas sessões de mixagem... A Lena D'Água também me deu conselhos muito úteis que depois usei na fase de masterização... Acho que foi bom esperar e ser paciente. É uma virtude que ainda tento dominar mas que muito importante.
Quão diferente é hoje musicalmente do artista que em 2017 lançou o primeiro álbum?
Muito diferente. Para um miúdo na altura com 19 anos que escrevia maioritariamente sobre desejo sexual, vaidade, ostentação e ateísmo, deu lugar à pessoa que hoje tenta redimir-se mais desse lado rebelde. Tento contemplar mais a meditação, a paixão em amar, o desconforto na solidão e a alegria de o ser, só, não é... tento fazer o máximo de limonada com as situações que me vão sendo atiradas para fortalecer o caráter e isso origina temas interessantes para escrever. E já para não dizer que na altura o hip-hop era um interesse mais carnal... E com a sensibilidade veio também mais interesse em harmonia... mas sim, musicalmente mudei bastante de 2017 para cá.
Esse primeiro disco, "Pessoas", tinha um conceito muito vincado. E quanto a este, quais são os princípios orientadores que procurou seguir?
Tentei focar-me maioritariamente no desconforto. Rejeição, principalmente. "Atenção" vem de um desgosto amoroso, por exemplo... "Doce Travessura" vem do abandono do meu pai há quase uma década... É muito por aí que as minhas canções acendem. Dessa dor, chega uma alegria contemplada por nuances sensíveis que gosto de usar para fazer as canções e os temas. Isso não acontecia em "Pessoas", era demasiado mimado nessa altura. Não tinha passado por dificuldades suficientes que me permitiram ser mais cru em relação a essa dor que é boa e que sabe bem poder vivê-la para criar.
Custou-lhe muito ultrapassar as barreiras do hip hop, género a que estiveste ligado tanto tempo?
Um bocado. É um género divertido qb... mas lá está... Eu creio que mesmo tentando escrever sobre tópicos diferentes daqueles geralmente contados no trap e no hip hop, roçava um pouco essa superficialidade que procurei desapegar-me. Mas a nível de som e criatividade, escrever é sempre divertido e com o hip hop tu escreves mais versos e rimas e isso também é muito engraçado... Estou a ponderar criar um moniker novo, para poder discretamente voltar a escrever sobre hip hop, Acho que já tenho alguns temas que posso levar para estúdio, vamos ver...
O que o atrai assim tanto musicalmente nas décadas de 1970 e 1980?
Eu creio que a música dessa era tem um enigma musical único que eu tento decifrar e que sai naturalmente. Por exemplo, eu cresci a ouvir a M80 ostensivamente e acho que vou beber muito desse universo incrível e por isso é que adoro este período.
A sua música irradia uma grande energia e otimismo. A pose de artista torturado
nada lhe diz?
Diz-me muito. Torturado principalmente por amor, o que não deixa de ser irónico. Sou otimista e enérgico porque tive de encontrar uma forma de não me torturar demasiado com coisas fora do meu controlo. Ainda hoje passo tempos muito dificéis a tentar perceber como é que posso dar a volta por cima e chego à conclusão que há uma coisa que me salva e há outra que me tortura e as duas, de mãos dadas, preenchem um vazio que dá lugar a otimismo e alegria, e que depois dão-me a força que preciso para voltar ao estúdio e gravar. Acho que já terminei o próximo disco à pala desta teoria.
Como se posiciona no panorama da nova música portuguesa?
Não sei mesmo... O meu corpo melódico tem tantas influências... Quero poder trabalhar com vários artistas de diferentes géneros musicais. Um artista nigeriano contactou-me recentemente com interesse de fazer afrobeat... eu disse que sim. Portanto, o desejo é continuar a ser o mais versátil possível sem perder essa "valor" inerente ao meu som.
O palco ou o estúdio: onde se sente mais à vontade?
O estúdio, sem dúvida alguma. É onde posso ser eu próprio e é onde saem os melhores momentos. Mas obviamente quero tornar-me num artista melhor de palco, é algo que desejo trabalhar bastante.
Como antecipa os concertos de apresentação do novo disco?
Vou tocar algumas canções do próximo disco, porque este disco já o tenho desde 2020, então comecei a compor material novo recentemente e gosto bastante do 'outcome' dessas canções. Também vou tocar canções muito antigas, de 2015 e que só agora postei também, como "Beatriz" ou "Melanina a Mais". Tocar com uma guitarra e backing vocals é interessante porque dá para ouvir com mais nitidez o som de estúdio, o que é sempre fixe tentar recriar em palco. Uma canção da minha última compilação de demos, ("Passadas" de 2021) "Fds", era uma canção que sempre sonhei tocar ao vivo e acho que consegui fazê-lo. É um dos meus temas preferidos porque foi escrito numa fase de muita depressão, mas podemos falar sobre isso noutra altura.
É um grande apaixonado pelas artes em geral. Se não fosses músico, dedicar-se-
ia a outra arte qualquer?
Sim, sou muito apaixonado por artes. Obviamente o meu objetivo é ser um artista profissional a tempo inteiro. Sou apaixonado por futebol e não me importava também de seguir uma carreira como treinador. Acho que o futebol é uma arte cada vez mais perdida em "negócio" e que aquele que domina esta arte domina também a arte da "guerra futebolística". Mas dentro das artes, acho que escrever é incrível. Eu admiro-te bastante porque já acompanho os teus livros desde que os começaste a editar à algum tempo e na verdade se vou confessar-me, Escrever é uma paixão minha, confesso. Dedicar-me ia a escrever guiões e coisas assim.
As canções de "Genes" têm entre três a cinco anos. O que tem feito de então para cá em termos criativos é muito diferente? Em que sentido?
Na verdade, não é, porque a paixão de escrever canções continua a desafiar-me a sair da minha zona de conforto e procurar mais formas de inovar. Acho que o grande objetivo para os próximos cinco anos, se Deus quiser, passa por trazer mais géneros "esquecidos" e negligenciados e dar-lhes um 'twist' fresco e novo que lhe permitam sobreviver ao teste do tempo e oferecer mais canções que as pessoas gostem de ouvir e que ao mesmo tempo também deem gosto em fazer.