"All things must pass" completou 50 anos em 2020. Álbum mítico regressa agora numa edição especial.
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George Harrison, o mais discreto dos Beatles, tinha 27 anos quando a banda de Liverpool que incendiou o Mundo na década de 60 do século passado colocou um ponto final nos dez anos de música mais bem-sucedida de todos os tempos. Pouco depois, o cantor e guitarrista britânico inaugurava, como todos os outros - John Lennon, Paul McCartney e Ringo Starr -, uma carreira a solo, compondo e resgatando da gaveta os temas que não haviam passado no crivo do grupo.
A 27 de novembro de 1970 é lançado o álbum "All things must pass", um epitáfio a lembrar que tudo acaba e uma obra-prima a anunciar o fim da crença na utopia do "hippie world". A estreia - o terceiro trabalho a solo é o primeiro pós separação dos Beatles - é aclamada pelo público e pela crítica em tempo real, permanecendo sete semanas no top da Billboard 200.
"Eu sabia que faria um disco bom, tinha muitas músicas e muita energia", disse George Harrison sobre esse lendário triplo álbum que reentra este mês no mercado pela porta grande - está outra vez no Top10 da Billboard -, numa reedição de luxo carregada de faixas, de êxitos ("Isn"t it a pity", "What is life" e "My sweet lord") e de extras (demos, inéditos e raridades) para celebrar um 50.o aniversário que só a pandemia atrasou.
O desejo de reedição foi manifestado pelo próprio Harrison antes de morrer com cancro, em novembro de 2001, aos 58 anos.
"Retirar a melhor qualidade sonora deste disco sempre foi um dos desejos do meu pai", revelou recentemente o filho Dhani Harrison, que trabalhou de perto com o músico e engenheiro de som inglês Paul Hicks para o conseguir. "Agora, 20 anos depois, com a ajuda de novas tecnologias, conseguimos realizar-lhe o desejo. É uma das melhores obras de arte do meu pai".
Obsessivo e espiritual
As gravações de "All things must pass" começaram no estúdio Abbey Road, em Londres, a 23 de maio de 1970, e estenderam-se até 25 de setembro. Para a produção, Harrison contratou o excêntrico e influente Phil Spector (1939-2021) - o inventor da técnica de gravação "wall of sound" morreu em janeiro deste ano na prisão, onde cumpria pena por homicídio -, que no documentário "Living in the material world" (2011), realizado por Martin Scorsese, lhe reconheceria o talento e o "perfeccionismo". O tema "My sweet lord", por exemplo, tem doze horas seguidas de experiências, composição e solos de guitarra. Essa maratona obsessiva valeu-lhe a liderança dos tops em 12 países, mas não o livrou de ser acusado de plágio pelas Chiffons, uma banda feminina do Bronx. Em 1976, as semelhanças com o tema "He"s so fine" (1963) foram consideradas legítimas pelo tribunal, mesmo que porventura "inconscientes". O desfecho judicial pesou na carteira (75% dos lucros foram partilhados) mas não na consciência do autor de "Let it be". "Não me sinto nada culpado. Aquela canção salvou a vida de muitos viciados em heroína", lê-se na autobiografia "I, me, mine", publicada em 1980.
Impossível de imitar é a ficha técnica de "All things must pass", que inclui o ex-Beatle Ringo Starr, o cantor e guitarrista Eric Clapton, o produtor e baixista Klaus Voormann, o pianista Billy Preston, os bateristas Ginger Baker e Alan White, os Badfinger, e ainda uma participação espiritual: Bob Dylan, com quem em 1968 escreveu, às portas de Woodstock, o tema que abre o disco: "I"d have you anytime".