Reunião de ensaios do autor inglês, "Matar um elefante" é um poderoso manifesto contra os totalitarismos.
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As guerras e os dramas que George Orwell viveu podem não ter sido os nossos, mas, adaptando os nomes e as circunstâncias do seu tempo a esta época, a conclusão a que chegamos é sempre a mesma: eis um escritor ferozmente contemporâneo, autor de páginas que ainda hoje revelam uma lucidez desarmante capaz de provocar uma evidente inquietação no leitor, ao constatar os pontos de contacto entre ambas as épocas.
Em "Matar um elefante e outros ensaios", são reunidos quase uma dezena de textos de dimensão variável, mas unidos pela fortíssima componente política ou literária, demonstrativos do empenho e do comprometimento totais com que o autor de "Quinta dos animais" concebia a própria existência.
Como escreve o tradutor Guilherme Pires na pertinente introdução intitulada "Hoje foi ontem será amanhã", a perceção do poder destrutivo "das engrenagens do poder e das hipocrisias que lhe são inerentes" moldou desde muito cedo a visão de Orwell.
A opressão que testemunhou em diferentes momentos da vida, do ambiente académico em Eton à experiência como oficial da Polícia ao serviço do império britânico no norte da Birmânia, agudizou até ao extremo a convicção de que a sua luta seria a da denúncia através da escrita. Não como uma mera experimentação sociológica, mas como uma via ativa para a mudança em que sempre acreditou. A tal ponto que se alistou numa guerra que não se desenrolava na sua pátria, escapando como que por milagre da morte, e viveu até entre os mais necessitados durante largos períodos "apenas" porque a consciência assim lho ditava.
Se, literariamente falando, o ensaio mais impressivo é aquele em escreve sobre um homem a caminho da forca que ainda encontra ânimo suficiente para se desviar de uma poça de lama ("vi aí o mistério, a indizível perversidade, de ceifar uma vida na sua plenitude", diz), há outros cujo impacto tremendo em quem o lê tem que ver sobretudo com a imutabilidade das estratégias de desinformação. Em períodos de conflito, seja a Segunda Guerra Mundial vivida por Orwell ou os recentes conflitos em Gaza ou na Ucrânia, "a educação brutal na fabricação deliberada da realidade" faz com que as palavras adotadas sejam uma arma ao serviço da propaganda. Tão ou mais letal do que um míssil de longo alcance.