Gérard Darmon fala da comédia “O Golpe de Sorte”, já em exibição nos cinemas.
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Valor sólido do cinema francês, com mais de uma centena de filmes na carreira, Gérard Darmon é um dos protagonistas da comédia “O Golpe de Sorte”, contracenando com Didier Bourdon, sob a direção de Hervé Mimran. No filme, dois amigos que vivem numa pequena ilha da Bretanha descobrem que alguém na aldeia ganhou vários milhões na lotaria. Ao investigar quem teria sido o felizardo, verificam que este está morto, tentando então assumir a sua identidade. O JN esteve em Paris a falar com o ator.
O filme é o que os americanos chamam de “buddy movie”, sobre a amizade entre dois amigos. Como é que criou a química com o Didier Bourdon?
Foi uma relação espontânea. Demo-nos muito bem desde o início. Houve uma espécie de respeito mútuo. E também conhecia muito bem a Chantal Lauby, porque fizemos juntos um filme que se tornou um culto, “La Cité de la Peur”. Eu gostava muito do Didier quando ele estava com um grupo que se chamava Les Inconnus. É um ator muito talentoso e é pena que não faça mais teatro e cinema.
Tiveram algum método de trabalho em especial?
Primeiro tentámos descobrir como é que iríamos compor as nossas personagens. E depois propusemos as nossas ideias ao realizador, o Hervé Mimran. E nesse aspeto, tudo se passou muito bem. Aliás, a todos os níveis, tudo se passou muito bem.
Desde o primeiro momento que o espetador deseja que o vosso golpe funcione. Faz parte da natureza humana, estar sempre um pouco contra o sistema.
E no nosso filme também há bastante humanismo. Eu gosto muito das comédias à italiana, um pouco neste estilo. Estamos numa pequena aldeia de pescadores da Bretanha, onde nada se passa, tudo vai bem. E de repente há qualquer coisa que se passa, um grão de areia na engrenagem. O dinheiro que corrompe tudo e que nos vai cair nas mãos.
As sequências com a funcionária que vem verificar a identidade do vencedor são bastante cómicas. Como conseguiram filmá-las sem se rirem?
É terrível de dizê-lo e é uma das grandes contradições do nosso ofício. Para um ator, fazer rir é um assunto muito sério. Não basta dizer que vamos fazer um filme de amigos e já está. Não, fazer uma comédia é sempre muito sério. O realizador é uma espécie de chefe de orquestra. É claro que podemos rir aqui e ali, mas na maior parte do tempo temos de levar tudo muito a sério.
É verdade que a maior parte dos atores dizem que a comédia é o género mais difícil de fazer.
Para mim, é sempre uma grande questão. O riso desencadeia-se numa sala, de teatro ou de cinema, no mesmo momento para toda a gente. Toda a gente se ri, no mesmo segundo. Mas as outras emoções não são assim. Não nos emocionamos todos ao mesmo tempo ou com as mesmas coisas, mas rimos ao mesmo tempo. É fascinante, há uma espécie de mecânica no riso. Tem a ver com o ritmo, com o tom, com os silêncios. Ultimamente faço muito teatro e constato-o bem. Quando os espetadores se riem, riem-se ao mesmo tempo.
No teatro, deve ser uma grande emoção para um ator, constatar que a comédia funciona.
Mesmo no cinema. Eu gosto de me emocionar no cinema, por vezes fico com os olhos húmidos, mas as pessoas à minha volta não. Sempre me intrigou muito esta diferença de reações entre o riso e as outras emoções.
Como é que se passou a rodagem naquela pequena ilha onde o filme se passa?
Filmámos em vários locais da costa, a fazer crer que é uma ilha, por causa das deslocações e do transporte do material. Mas foi muito agradável, com aquele oceano imenso, aqueles rochedos tão poderosos. A Bretanha tem uma paisagem excecional. Nada me deu mais prazer do que estar sentado na minha cadeira, à espera de filmar o plano seguinte, e face a todos aqueles elementos, como o oceano de passa de verde-claro a azul-marinho. E à noite comíamos peixe acabado de pescar, como já comi em Portugal, quando lá filmei.
Que filme é que rodou em Portugal? A sua filmografia é imensa…
Fiz o “Mariage Mixte”, em 2004, e já tinha feito o “Sans Peur et Sans Reproche”, em 1988. Lembro-me de filmarmos em Cascais.
A sua filmografia tem filmes de culto como “Les Princes”, do Tony Gatlif…
Muito obrigado por referir esse filme.
Costuma voltar a ver esses filmes clássicos que interpretou, como o “Betty Blue”?
Não, nunca. Eu também faço música e por vezes volto a cantar temas que compus alguns anos antes. Mas ver-me, é uma coisa diferente. Normalmente, esqueço-me logo dos filmes depois de os fazer.
Curiosamente, não entrou muito em filmes estrangeiros, mas quando o fez foram imensos sucessos, como “A Teta e a Lua”, do Bigas Luna.
É um filme magnífico. Vi há pouco outro filme dele, o “Jamon, Jamon”. E nesse filme trabalhei com quem viria a ser a mãe dos meus filhos, a Mathilda May. Era uma história completamente louca. Mas também fiz alguns filmes em Itália.
E a comédia francesa parece estar a atravessar um bom momento…
Foi sempre assim, é a comédia que alimenta o cinema francês. Quando se fazem mais de dez milhões de espetadores, gera-se uma receita enorme que vai permitir financiar primeiros filmes, filmes independentes. Sinceramente, sou muito feliz por ser um ator francês.
Mas além das comédias, também tem sido memorável em outros géneros, como o policial.
Muito obrigado pelas suas palavras. É verdade que comecei por fazer de vilão, mesmo muito mau. Só mais tarde é que comecei a fazer comédias.