Gisela João revisita temas marcantes da Revolução no espetáculo inédito “Gisela canta Abril”. Amarante e Lisboa recebem primeiros concertos, nos dias 24 e 25.
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Vai ser “muito simbólico, muito bonito”, garante Gisela João. No dia 25, quando a Revolução fizer 50 anos, a cantora de Barcelos vai descer a Avenida da Liberdade, com cravos na t-shirt, rumo ao Tivoli, onde apresenta o seu espetáculo inédito “Gisela canta Abril”. Um dia antes, estreia a sua homenagem aos cantores e compositores de Abril no Cineteatro de Amarante.
“Gisela canta Abril” partiu de um desejo antigo da fadista de homenagear autores que sempre admirou - e sempre cantou -, bem como celebrar e lembrar a importância da liberdade. Em palco, com o guitarrista espanhol Carles Rodenas Martinez e Luís “Twins” Pereira, Gisela exalta músicas marcantes da Revolução, assinalando assim os 50 anos da democracia portuguesa, num “cenário especial”, adianta ao JN.
Sempre teve este apego e interesse pelo 25 de Abril?
Sempre. Sempre tive um apego muito mágico ao mês de abril, porque o meu avô também fazia anos neste mês, e o 25 de Abril sempre foi uma data muito simbólica. Nunca me deixaram esquecer, em casa, que as coisas eram muito difíceis, e que a liberdade que tínhamos não era uma coisa garantida; que podia não existir, que houve pessoas que passaram por esta vida e que não tiveram acesso a essa liberdade sequer. Os meus avós contavam muitas histórias de antes do 25 de Abril.
Como surgiu este “Gisela canta Abril?”
No ano passado, em conversa com um amigo, falávamos sobre a questão de serem os 50 anos uma data tão simbólica. Depois, estava em Espanha, Valência, com um professor de guitarra, o Carlos Martinez, a mostrar-lhe músicas portuguesas, cantautores, o Zeca Afonso. Ele começou a tocar aquilo, estava tão lindo, eu a cantar, estava a saber-me tão bem, e disse: “sempre quis fazer um concerto que fosse a cantar músicas do 25 de Abril; queres fazer comigo?”. E aceitou logo. Sempre quis isto, nos meus concertos cantava uma ou outra música, mas queria um concerto em que estas palavras e estes poemas, estas letras revolucionárias fossem o centro da atenção, porque elas foram escritas antes de eu nascer e têm hoje o mesmo impacto, e são tão necessárias como eram na altura.
Num repertório tão rico, como foi chegar a um conjunto de canções?
Foi difícil, ainda está a ser, porque há tantas boas. Mas a minha vontade é fazer este concerto pelo país ao longo do ano. E, portanto, dá-me alguma elasticidade poder ter mais músicas no alinhamento, porque num concerto posso cantar umas; noutro, outras.
Além da música, há também um lado cénico nos espetáculos?
Sim, tem uma cenografia linda, que está a ser construída. Inspirei-me numa imagem que o meu técnico de luz me mostrou, que achei tão bonita e me fez pensar na solidão da criação, ou seja: muitas destas músicas foram compostas por pessoas na prisão, no exílio ou na solidão. E nessa sua solidão, comecei a imaginar um branco à volta destas pessoas, de conseguirem encontrar um lugar de paz com elas próprias para poderem escrever sobre a falta de liberdade, que era delas e de todas as pessoas do país delas. E há também o elemento terra, a terra de onde venho, deste lugar particular no Mundo, que se chama Portugal. Estou numa terra que é diferente da que eu pisava quando brincava em criança. Não vou desvendar mais, mas são tudo elementos na cenografia.
No ano passado, assinalou dez anos de carreira; como foi essa celebração?
Foi muito emocionante, mas, na verdade, sinto que nem vivi muito bem o que fiz, porque passa tudo tão rápido e é tão stressante conseguir fazer as coisas…É desgastante, às vezes implicando o usufruto da beleza ou da vitória do que se conseguiu fazer.
Mas nestes dez anos foi uma das artistas que ajudaram a trazer novos públicos para o fado, um novo vigor. É algo que continua a ser importante, levar o fado a mais lugares e gerações?
Muito importante, mesmo. Foi das coisas que sempre me deram mais gozo na carreira, sentir que trazia pessoas que não ouviam fado, não ouviam mesmo, para os espetáculos. É uma das coisas mais marcantes.