Globos de Ouro: brilhou o negrume do pai da bomba atómica e da nova Frankenstein
“Oppenheimer” é o drama do ano, com cinco prémios, e “Pobres criaturas” é a comédia negra. “Barbie” e “Maestro” são os grandes derrotados. Na TV triunfou “Succession”.
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“Agora, eu tornei-me na morte, o destruidor de mundos” - é debaixo da infame sombra ética, citada do Bhagavad Gita, texto sagrado hindu, que o pai da bomba atómica habita e faz fulgir o coração negro de “Oppenheimer”.
A cinebiografia volátil desse físico genial com espírito de artista, herói-fétiche da América da II Guerra, é uma gigantesca conquista cinematográfica: o filme de Christopher Nolan venceu cinco Globos de Ouro, prémios do cinema e TV nos EUA, incluindo melhor drama, realizador, ator (Cillian Murphy, portentoso) e ator secundário (Robert Downey Jr, sibilino).
O grande derrotado, aqui, é “Maestro”, bio-pic do compositor Leonard Bernstein possuído por Bradley Cooper, que é ator e realizador: zero Globos em quatro nomeações - e nem a espantosa composição da atriz Carey Mulligan, figura sacrificial da epopeia e mulher de Bernstein que sabe que o maestro era bissexual, se salvou.
Barbie derrotada por um novo monstro
Do lado da comédia, mas comédia negra, negríssima, triunfou “Pobres criaturas”, o filme que suplantou o lustroso "Baribie". O que é? É uma revisão pós-moderna do grego prodigioso Yorgos Lanthimos sobre o monstro Frankenstein, agora em versão feminina e avant-garde.
Emma Stone é essa colossal criatura e venceu como a melhor atriz cómica do ano nos Globos de Ouro 2024 - posicionando-se já no top de favoritas para os Oscars.
"Pobres criaturas", que tem cenas rodadas em Lisboa e um capítulo assombrado pela voz da fadista Carminho, estreia no dia 25 de Janeiro.
Do lado “light” e do concreto cor-de-rosa feérico que assolou a salas como “blockbuster” do ano, o extravagante musical “Barbie” é o grande vencido: nove nomeações e só dois prémios: melhor música ("What was I made for?", de Billie Eilish) e melhor conquista cinematográfica, nova categoria dos Globos de 2024.
Primeira indígena a vencer
Surpresa absoluta, ou talvez nem tanto, é a escolha da primeira intérprete indígena dos EUA a ganhar o Globo de Ouro de melhor atriz dramática. Ela é Lily Gladstone, faz par amoroso com Leonardo DiCaprio, e tremeluz no “western gore” de Martin Scorsese “Assassinos da lua das flores”.
O pungente filme é sobre o massacre de índios pelos americanos racistas e brancos nas negras décadas de 1920/30. No seu histórico discurso, Lily falou na língua nativa dos índios Blackfeet.
“Isto é para cada criança da reserva, cada criança urbana, cada criança nativa que tem um sonho, que se vê representada, que vê as nossas histórias contadas por nós mesmos, nas nossas próprias palavras, com tremendos aliados e tremenda confiança", disse lily, claramente emocionada.
O melhor ator em comédia saiu da ode aos professores que é “Os excluídos” (“The holdovers”), novo drama de Alexandre Payne, e chama-se Paul Giamatti. O filme tem mais um Globo: melhor atriz secundária (Da’Vine Joy Randolph).
França e Japão triunfam
Os Globos de Ouro, que são o adro dos Oscars (nomeações no dia 23 de janeiro, prémios a 10 de março), surgiram este ano reformulados na sua ética e ambição: deixaram a órbita da associação de imprensa estrangeira em Hollywood, demasiado masculina e abusivamente branca, sendo agora um prémio privado na CBS e com jurados mais inclusivos.
“Anatomia de uma queda”, o surpreendente psico-thriller francês que senta a rotina do casamento no banco dos réus a propósito de um alegado homicídio, foi considerado o melhor filme em língua não inglesa. A cineasta Justine Triet recebeu ainda o Globo de melhor argumento.
Na animação, o super favorito “Homem-Aranha: através do aranhaverso” saiu atapetado pelo novo milagre do mestre japonês de 83 anos Hayao Miyazaki. “O rapaz e a garça”, terna fantasia de um menino que vai ao mundo dos mortos à procura da mãe, é a animação do ano - e está nesta altura á espera de ser descoberto nos cinemas nacionais.
E na TV os vencedores são...
Os Globos de Ouro premeiam ainda as melhores produções televisivas, tendo entregue os galardões maiores a “Succession”, “The bear” e “Rixa”.
A última temporada de “Succession” (HBO), dissecação da corrupção do poder numa dinastia mediática em que pai e filhos falam uns com os outros com facas a silvar, dominou a noite: quatro Globos, incluindo melhor atriz (Sarah Snook), ator (Kieran Culkin), ator secundário (Matthew Macfadyen), e melhor drama. “Iste prémio não é meu, é da equipa toda”, disse o triufante irmão de Macaulay Culkin.
A série “The bear” (FX), sobre o sufoco de um chef de cozinha genial, assumiu os prémios de comédia de TV - sendo, no fundo, um verdadeiro drama: venceu como melhor série, melhor ator (Jeremy Allen White) e melhor atriz (Ayo Edebiri).
Eterno favorito dos dramas de TV, “The crown”, da Netflix, que reconstrói quase toda a vida da rainha Isdabel II, da GrâBretanha, venceu apenas um prémio: Elizabeth Debicki foi eleita a melhor atriz secundária numa série de TV pela sua (gloriosa) personificação da princesa Diana na 5.ª temporada.
Por fim, o drama de vingança da Netflix “Rixa” (“Beef”) limpou a categoria de melhor série limitada ou antológica. Há vitórias ainda para o Oriente e as estrelas, os atores Ali Wong e Steven Yeun. Wong, primeira vencedora ásio-americana, dedicou o prémio ao ex-marido Justin Hakuta, pai dos seus filhos, que lhe “permitiu ser uma mãe trabalhadora”.