Entre o público, os mais formais reprimiram o riso, para não aprovarem um espetáculo de dança (propositadamente) sem ritmo, da italiana Silvia Gribaudi. Os outros, gozaram um espetáculo único no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
Corpo do artigo
Silvia Gribaudi e as Três Graças masculinas, apresentaram-se, na noite deste sábado, a um grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, quase lotado, para questionarem tudo, inclusivamente a postura do público num festival deste género. A maioria adorou e no final houve um longo aplauso de pé, mas também houve quem se remexesse na cadeira ao longo de todo o espetáculo, visivelmente incomodado. Em qualquer dos casos, Silvia e Gribaudi e Matteo Maffesanti, os responsáveis pela dramaturgia, devem ter ficado com uma sensação de dever cumprido.
“As Três Graças” na escultura de Antonio Casanova (1812-1817) são as filhas de Zeus: Eufrosina, Aglaia e Tália. Em “Graces” são três “rapagões”: Andrea Rapazzo, Francesco Saverio e Matteo Marchesi. “As Graças” são as três primeiras personagens a ocupar o palco e começa logo aqui a subversão. Matteo é grande demais, tem uma pilosidade exuberante, própria dos machos do sul da Europa, Francesco não tem um pelo no corpo, mas tem uma musculatura exuberante, que assentaria bem num culturista e Andrea é uma daquelas figuras físicas discretas, podia facilmente passar por bancário ou contabilista. Silvia é a última a entrar e não sabe muito bem onde colocar o seu corpo vulgar de mulher de 50 anos. Pergunta ao público: “aqui ou ali? mais para a frente ou atrás? para a esquerda ou um passo para a direita?”
É fácil identificarmo-nos com o problema da personagem. Quem é que nunca sentiu a dificuldade de encontrar o espaço certo para se posicionar, quando num ambiente novo e estranho? É aquela força que leva alguns a sentarem-se na última fila do auditório, para não serem vistos. Porém, em “Graces”, os bailarinos estão em roupa interior, num palco bem iluminado e despido de qualquer outro elemento. Nada se pode esconder e é esse o objetivo.
A interação com o público foi constante e frequentemente desconfortável, porque nem sempre era óbvio aquilo que era pedido: bater palmas, estalar os dedos, dizer “magnífica”... O desconforto, provocado por uma gestão habilidosa do tempo - como na comédia -, neste caso, era um convite para a reflexão. “What is beauty? Take your time”, perguntou Silvia a certa altura. Enquanto o público pensava sobre o assunto, Matteo evoluia no palco, com o seu volume impressionante, em gestos graciosos, próprios do ballet clássico.
Todo o espetáculo é um enorme questionamento sobre o que é afinal a beleza e onde é que ela reside. A certa altura, Silvia faz tremelicar a adiposidade dos braços e explica que são “effects”, na verdade “todo o meu corpo está cheio de efeitos”, referiu, fazendo abanicar a gordura nas pernas e na barriga. A maior parte do público ria incontrolavelmente, outros, mais compostos, pareciam pensar que “não foi para ver isto que eu paguei bilhete”.
Incomoda porque é bonito mas inconvencional
“Graces” é incómodo porque é muito bonito e bem humorado, mas é inconvencional, a começar no corpo “roliço” da protagonista, e obedece a um tempo muito peculiar. A certa altura, os bailarinos aproximam-se da boca de cena perfilados e fazem uma pausa. O público fica sem saber como reagir. Parece que o espetáculo terminou, mas ainda passou pouco tempo. “Será que acabou?” Alguém decide que o melhor é começar a bater palmas. “Querem saber um pouco sobre o processo?”, questiona Matteo, como que pedindo desculpa por não terem mais nada para apresentar e, a partir desta deixa, recomeçam.
O espetáculo terminou de forma apoteótica com Silvia e “As Três Graças” a deslizarem num palco encharcado. De uma forma descontraída, “Graces” questiona o virtuosismo na dança, os papéis de género, os ideais de beleza e as próprias atitudes do público perante a arte.