Guitarrista espanhol Tomatito atua no CCB depois da magia deixada na Casa da Música
Mítico guitarrista espanhol, Tomatito deu um concerto em formato quinteto na Casa da Música, no Porto. Esta quinta-feira a fórmula mágica repete no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
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Tomás Borrás escreveu "Y ser flamenco es cosa: es tener otra carne alma, pasiones, piel, instintos y deseos; (...) la música en los nervios, fiereza independiente, alegría con lágrimas, y la pena, la vida y el amor ensombreciendo" (“E ser flamenco é alguma coisa: é ter outra carne, alma, paixões, pele, instintos e desejos; (...) música nos nervos, ferocidade independente, alegria com lágrimas, e tristeza, vida e amor lançando uma sombra”).
O concerto do mítico guitarrista espanhol Tomatito, esta quarta-feira à noite, na Casa da Música, no Porto, provou isso mesmo. Os flamencos têm códigos próprios, não existe o jogo da antecipação. O primeiro a entrar em palco, com a sua cabeleira leonina, imperturbável desde os anos 70, é Tomatito com a sua guitarra na mão e sem artefícios, palminhas fáceis ou jogos de entertenimento para ganhar o público, veste-se de fato negro, código flamenco.
Tem 65 anos e é parte de uma sagrada trindade flamenco: Camarón de la Isla, Tomatito e Paco de Lucía. O público composto de melómanos não tem luzinhas, pinturas e pulseiras fluorescentes o silêncio numa composta sala Suggia é sepulcral. O trato é tácito estão ali para ouvir tocar guitarra e ele está ali para tocar. Ele e o filho José del Tomate, acompanhados de percussão e dois cantaores fazem uma viagem imperdível, durante uma hora e meia. Os músicos estão constantemente a fazer sinais para os técnicos, criando alguma comicidade pela fúria com que dão indicações, o som tem de estar perfeito, para o público e para os músicos, a música é comunhão.
As palavras são parcas e quase sempre meias sussuradas, a guitarra é alta e um projétil no peito. Na noite de ontem houve alegrias, adrenalina para os sentidos, um medley de tangos, com letras populares como "qué bonita está Triana cuando le ponen al puente la banderita gitana", bulerías e farruca. E depois as homenagens: "La voz del tiempo", dedicada a Paco de Lucía; a falseta de "Entre dos aguas" tocada num medley e o momento mais alto do concerto, "La leyenda del tiempo". Camarón, García Lorca de forma espectral e Tomatito todos concentrados no mesmo cenário.
Comovente foi também a zambra de Niño Miguel, interpretada a solo por José del Tomate, filho de Tomatito. São três gerações de Tomate, guitarristas, das quais assegura Tomatito o filho "é o que tem mais arte de todos". O público, todo de pé, teve direito a um encore. Estamos em fevereiro, mas podemos assegurar que o melhor concerto de guitarra do ano está dado. Hoje a alegria com lágrimas repete-se em Lisboa, no Centro Cultural de Belém.