
Primeira edição decorreu nos dias 8, 9 e 10 de agosto de 1997
Ana Baião/ Arquivo Global Imagens
Agosto de 1997. Marilyn Manson, Blur e Suede eram os nomes sonantes da primeira edição do Festival do Sudoeste, que a 11 dias do arranque decidiu instalar-se na Herdade da Casa Branca, na Zambujeira do Mar. O bilhete custava seis mil escudos (30 euros) e oferecia campismo. O festival tinha 300 casas de banho, 50 chuveiros e três cabines telefónicas.
Hoje, a Herdade da Casa Branca é sinónimo de festival Sudoeste, mas a história poderia ter sido outra. Após umas férias na Costa Vicentina com Tim, vocalista dos Xutos e Pontapés, Luís Montez, diretor da promotora Música no Coração, decidiu que aquele era o local ideal para erguer um festival que unisse música e natureza, longe do bulício da cidade. A Herdade do Brejão, a alguns quilómetros da Casa Branca, foi a primeira escolha, mas nas vésperas do evento tudo se complicou. "Quando decidimos fazer lá o festival, a herdade tinha um proprietário. Entretanto, foi vendida a outra pessoa, que nos pedia um balúrdio de renda. Era um valor incomportável e isto 11 dias antes do festival", conta Luís Montez.
Uma pessoa dorme no carro, acorda e tem à frente o espaço para o festival da sua vida
Desmontaram tudo e quatro camiões TIR arrancaram do Brejão sem rumo certo. Já de noite, Luís Montez e o irmão encontraram um local plano para estacionar a "caravana Sudoeste" e ficaram a dormir no carro para garantir a segurança de todo o material. Na manhã seguinte, Montez nem queria acreditar: "Quando acordámos, apercebi-me que aquele sítio não estava cultivado, tinha um pinhal, muita sombra e um canal com água para abastecer os chuveiros do campismo. Foi mágico! Uma pessoa dorme no carro, acorda e tem à frente o espaço para o festival da sua vida." O negócio foi feito horas depois e ainda nesse dia começaram a montar os palcos.
Trabalharam 24 sobre 24 horas para erguer o festival em 11 dias, tarefa que hoje ocupa dois meses. "Lembro-me de estar à porta, no dia da abertura, e de ainda estarmos a pregar as chapas da vedação", recorda. O primeiro Sudoeste aconteceu nos dias 8, 9 e 10 de agosto e, escrevia o JN, era "por muitos apontado como o melhor de todos os festivais do ano".
Além de Marilyn Manson, Blur e Suede, o cartaz contava com dEUS, Veruca Salt, Urban Species, Xutos e Pontapés, Rio Grande, Da Weasel (que protagonizaram uma substituição de última hora), Hedningarna, Blasted Mechanism, Ornatos Violeta, Cool Hipnoise, Entre Aspas, Anger, Bizarra Locomotiva, Industrial Metal Machine, Jestofunk, Monsterpiece, Turbo Junkies, Ref e Red Beans, divididos entre o palco principal e um palco secundário com curadoria do Blitz, na altura um semanário.
O homem que tinha lançado no ano anterior "Antichrist superstar" prometia espetáculos selvagens e polémicos
A loucura de Marilyn Manson
A estreia em Portugal de Marilyn Manson, no auge da carreira, atraiu muitas atenções para o festival e levou a que milhares de fãs rumassem a Sudoeste. A fama do norte-americano precedia-o. O homem que tinha lançado no ano anterior "Antichrist superstar" prometia espetáculos selvagens e polémicos que, dizia-se, podiam incluir rituais com animais ou automutilações.
Luís Montez lembra-se das exigências extravagantes do músico, que queria "hot-dogs" de uma marca que não havia à venda no país e pintainhos para atirar. Sem animais e com cachorros de outra marca, o músico subiu ao palco e deu um "espetáculo rock singular, selvagem e hipnótico", escreveu o JN na edição de 11 de agosto de 1997. E acrescentava: "Ao contrário do que muitos esperavam, não houve decapitações de animais e rituais macabros." Mas os efeitos que o "anticristo" exibiu em palco assustaram os médicos e enfermeiros de plantão no festival.
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"Ele simulava que se cortava, com um líquido azulado, e quando o concerto terminou os médicos e enfermeiros estavam todos à beira do palco para o socorrer. Achavam que ele estava a cortar-se todo e estavam preparados para levá-lo para a enfermaria", explica Luís Montez, entre risos. "Quando saiu do palco, ele começou a rir-se."
Na história da primeira edição fica também o "mau feitio" dos Blur, que exigiram várias trocas de transporte no caminho Lisboa - Zambujeira do Mar, chegaram atrasados e deram um concerto que parece não ter entusiasmado a crítica. Os já na altura veteranos Xutos e Pontapés deixaram a multidão rendida, assim como os novatos Da Weasel, que tinham acabado de editar "3.º Capítulo".
Pó e problemas técnicos
Um pastor vizinho que emprestou uma máquina de rega para humedecer o terreno antes da abertura de portas
Em toda a imprensa, que fez a cobertura da edição de estreia do Sudoeste, há uma palavra que sempre se repete: pó. A muita poeira que pairava sobre o recinto - revolvido pelas montagens da véspera - ainda foi minimizada pela gentileza do Sr. Tojeiro, um pastor vizinho que emprestou uma máquina de rega para humedecer o terreno antes da abertura de portas. O gesto não foi suficiente para evitar a poeirada, mas Montez recorda esse momento como um dos mais marcantes de 1997. E garante: "ficámos amigos para a vida".
Além do pó, na memória da primeira edição ficaram as más condições do campismo, a falta de água num dos dias e problemas técnicos em alguns concertos. Os preços das bebidas e da comida também foram alvo da crítica dos festivaleiros: a cerveja custava 200 escudos (um euro) e uma sandes 400 escudos (dois euros). Já os autocarros gratuitos para a praia mereceram nota positiva.
"O primeiro ano foi tremendo", recorda o mentor do festival. "Houve muitos elogios e fizeram-se muitas críticas para melhorar. No primeiro ano, o que era preciso era montar o festival", remata.
Em 1997, terão passado pela Herdade da Casa Branca cerca de 60 mil pessoas, número que aumentou no ano seguinte e que fez com que a organização visse aqui uma relação com futuro. "No segundo ano percebemos que íamos ficar aqui a vida toda", revela Montez, que mais tarde acabou por adquirir a propriedade.
Volvidos 20 anos, o festival, agora Meo Sudoeste, decorre ao longo de cinco dias e os passes custam 105 euros. As cabines telefónicas deram lugar a vários pontos para carregamento de telemóveis e há wi-fi gratuito em todo o recinto. Os 50 chuveiros de 1997 são hoje mais de 500 e o parque de campismo assemelha-se a uma "mini cidade", com recolha de lixo, supermercado, uma cozinha comunitária, quartel de bombeiros, centro médico e GNR. Uma coisa parece manter-se idêntica: o caos no estacionamento quando os festivaleiros arrancam em debandada.
No calendário da vila da Zambujeira do Mar, tomada de assalto pelos forasteiros em 1997, agosto já está assinalado como mês de romaria a Sudoeste.
