"Há comportamentos das comissões de inquérito que são degradantes da função política"
Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
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Esta semana poderia ter permitido algum esvaziamento da pressão sobre o Governo, com as conclusões do relatório da comissão parlamentar de inquérito da TAP, mas terminámos com mais uma demissão que tem colada a si um processo judicial. O Governo não consegue sair deste ciclo de crises e de demissões?
São duas perguntas diferentes. Quanto à comissão parlamentar de inquérito, a responsabilidade política já foi assumida. Não nos podemos esquecer que houve dois membros do Governo que se demitiram por causa da matéria.
Poderíamos olhar para outras responsabilidades de ministros em funções, como João Galamba ou Fernando Medina.
A comissão parlamentar de inquérito era para apurar as decisões tomadas na administração da TAP. Não estou a dizer que não há análise política a fazer sobre aquilo que se passou no Ministério das Infraestruturas há um par de meses. Agora, não estou a ver o que é que isso tem a ver com a comissão parlamentar de inquérito e a TAP. Essa confusão e esse salto é que foi alimentado pela própria comissão parlamentar de inquérito.
E a segunda parte da semana, com mais uma demissão no Governo?
Sobre essa demissão, foi uma decisão do próprio. Não sei exatamente o que está em causa, não sei se há um processo judicial, são informações que, na verdade, desconheço. Tenho uma leitura sobre a responsabilidade política, que é totalmente autónoma da responsabilidade criminal ou judicial.
Ainda acha, e como fez questão de ser opinião recorrente, que há hoje uma degradação evidente da classe política, que faz também perigar os sistemas democráticos?
Sim, acho, e que tem explicações que são bastante complexas. Por exemplo, o tema da comissão parlamentar de inquérito, eu não desvalorizo nada, nada, nem o tema TAP enquanto tema político substantivo, nem aquilo que se passou na relação entre o Estado como acionista e a administração da TAP, e também não desvalorizo os acontecimentos que ocorreram no Ministério das Infraestruturas. Acho que é objetivo, aliás, o primeiro-ministro teve a ocasião de dizer a mesma coisa.
Contribui para a tal degradação da classe política?
Contribui, contribui, mas a degradação não tem como responsáveis únicos, exclusivamente ou até essencialmente, a classe política. Isso eu sempre disse e continuo a dizer. E a propósito da comissão parlamentar de inquérito, uma coisa é a análise sobre as relações entre o Estado e a administração e a saída de uma administradora, essa era a matéria que iniciou.…
Mas não deixa de ser impressionante que um episódio tão marcante como os incidentes no Ministério das Infraestruturas não tenha sequer merecido uma linha no relatório da comissão parlamentar de inquérito.
Pois, mas esse é o ponto que eu queria deixar. É que foi, de facto, muito marcante e há uma reflexão a fazer sobre isso. A degradação do ambiente político não é independente de coisas como aquelas que se passaram nesta comissão parlamentar de inquérito. A transformação das inquirições em noites sem paragem, em saber se se falou ao telefone às 10 horas ou às 10 e cinco, se foi antes ou depois, em que os deputados são uma espécie de procuradores do cinema americano de série B da década de 80 e que depois tudo isto é prolongado naquele género de comentário, como se comenta os “reality shows”, nos canais noticiosos à noite, se isso não contribui igualmente para a degradação da imagem das instituições e da democracia. A minha resposta é que contribui.
Mas quem faz esses longos inquéritos são os deputados.
As comissões parlamentares de inquérito têm um papel muito importante de valorização até da atividade parlamentar. Isso aconteceu já muitas vezes no passado. Mas também isso não me impede de dizer que há comportamentos e lógicas de funcionamento das comissões parlamentares de inquérito que são elas próprias degradantes da função política. E se nós achamos normal algumas das coisas que se passaram, acho que estamos a laborar num enorme equívoco.
A classe política é muito mais do que aquilo que vemos todos os dias na televisão. Quando olha para a noção de servir a causa pública, não está tudo mal desde a base?
Um dos problemas da leitura política é esse lado apocalíptico. Tudo mal desde a base. Não. A nossa democracia tem problemas, mas tem imensas virtudes. Há problemas, mas no essencial as instituições funcionam. E se estamos sempre a projetar um discurso sobre o fim da democracia, estamos de facto a ajudar ao fim da democracia. Muitas das vezes os protagonistas e aqueles que têm responsabilidade no debate público, que são os políticos, os comentadores, os jornalistas, o conjunto das instituições, não percebem o mal que fazem com uma leitura da realidade política como se houvesse sempre um ciclo de apocalipse de 24 horas, que depois é substituído por um outro ciclo de apocalipse nas 24 horas seguintes. Quando olhamos retrospetivamente para esta comissão parlamentar de inquérito, foi o que aconteceu. O Governo ia acabar por causa desta comissão parlamentar de inquérito. Agora, como os resultados já não foram aqueles que foram antecipados, o tema já é por que razão o relatório não fala daquilo que gostávamos que tivesse falado.