Regina Guimarães: "Há uma perda clara de risco e conflito na criação artística"

Regina Guimarães
Igor Martins / Global Imagens
"Antes de mais e depois de tudo" é a primeira antologia da poeta e dramaturga portuense Regina Guimarães.
Já sabíamos que a criação artística sempre foi uma compulsão de Regina Guimarães, do teatro ao cinema. O que poucos conheciam era a sua poesia. "Antes de mais e depois de tudo" é uma antologia coordenada por Rui Manuel Amaral que condensa num volume 46 anos de escrita poética enquanto lugar de interrogação do Mundo.
O Rui Manuel Amaral defende no posfácio que os seus poemas não devem ser lidos todos de uma vez. Gosta da ideia de serem consumidos aos poucos?
Na verdade, não escrevo livros. Escrevo poemas. Cada um é um pequeno livro; representa um momento. Acredito que as coisas importantes da vida roçam-nos, abraçam-nos por um instante e ficam a ecoar muito tempo. Se tiver a sorte de ter escrito algumas coisas com essa qualidade, fico contente.
Porque foram incluídos tão poucos poemas nesta recolha?
As pessoas conhecem-me como desbocada, mal disposta e letrista dos Três Tristes Tigres, mas não a minha poesia. Por isso, não fazia sentido aparecer com um calhamaço. Seria arrogante, como atirar um tijolo à cabeça das pessoas.
Publicou sempre por microeditoras. A poesia é mais livre ao rejeitar o circuito comercial?
Estou mais próxima de quem faz os livros de maneira artesanal. Não tenho nada contra a indústria, mas uma máquina editorial trata os livros da mesma maneira.
Apesar da imagem pública de combatividade, a sua poesia é de grande sensibilidade. É a sua concessão ao reino do sensível?
O combate é que é a minha concessão ao mundo do sensível...
Não os coloca em oposição?
De maneira nenhuma. Em tempos opostos, sim. Na poesia é o real que nos atravessa.
Escreve de forma tão incessante que houve um dia em que escreveu 13 poemas. Persegue o fluxo contínuo?
A minha poesia faz-se na cabeça. Não tenho a angústia do papel em branco. Nem tenho máquina de trabalho ou sítio para escrever. O meu local de trabalho é o mundo.
Foi muito falada a sua acusação de censura à direção do Teatro Municipal do Porto (TMP). À distância destes meses, acredita que não foi um ato isolado?
Há uma tendência de os poderes se acharem invencíveis. Blindam o que os coloca em causa. É o quero, posso e mando, que se aplica ao diretor do TMP ou ao autarca. É uma forma de silenciamento. E nas estruturas artísticas, como os artistas precisam dos apoios como do pão para a boca, esse combate é desigual e abre caminho à política do gosto. Para que servem os diretores dos teatros se se limitam a perpetuar um certo tipo de produções? Precisamos de conflito. Criar é aceitar o lugar do conflito.
Em Portugal, o preço de ser-se independente é muito alto?
Não. Não sou perseguida na rua...
Não é preciso. Basta não ser ser contemplada com convites ou benesses associadas ao poder.
Mas serão mesmo benesses? É uma bênção não ter que atender a uma carreira coroada de glória em que tem que se estar sempre disponível 24 horas por dia... Esse, sim, é um preço demasiado alto.
As notícias sobre o grande dinamismo cultural do Porto são manifestamente exageradas?
Temos o problema das livrarias, há menos companhias do que nos anos 90... Há uma cultura do evento. Estamos mais bem servidos em termos institucionais do que na criação independente. O que diz algo sobre a forma como as pessoas encaram o seu estar no mundo enquanto criadores e aceitam colocar-se sob a alçada do poder. Há uma perda clara da noção de risco e conflito na arte e criação.
