Invulgarmente discreta, a vencedora do Prémio Nobel da Literatura 2024 convoca para os seus livros temas como a violência, dor e patriarcado, reunindo experiências e traumas da juventude. "Só me interessa a paz", afirmou numa entrevista ao JN em 2017.
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“A frágil voz de Han Kang é quase inaudível, mas o que diz (e sobretudo o que escreve) merece ser escutado em voz bem alta.” Assim se iniciava a entrevista que a nova laureada com o Nobel da Literatura concedeu ao “Jornal de Notícias” em setembro de 2017, aquando de uma vinda ao Porto para apresentar o romance “Atos humanos”.
Quando se deslocou a Portugal, a autora ainda procurava assimilar o impacto do tremendo êxito que foi o romance “A vegetariana”, com o qual venceu o Internacional Booker, em 2016. Mas o deslumbramento era algo arredado do seu discurso. "Gostava de voltar à rotina anterior, em que tinha calma e tempo para escrever ou viajar”, lamentou.
Agora que o Nobel é uma realidade - tornando-se a primeira autora sul-coreana a alcançar o feito e apenas a 18ª mulher na centenária história do prémio -, é provável que os lamentos subam de tom, sem que, todavia, perturbem a harmonia de que faz questão de se rodear no dia a dia, já que "só me interessa a paz", como afirmou na altura.
Essa propensão pessoal para o equilíbrio não poderia contrastar mais com a temática da violência, nas suas diversas matizes, que aborda nos seus livros, devidamente filtrada por um tom poético que foi sublinhado pelo porta-voz da Academia Sueca. Daqui resulta, segundo a ata do júri, "uma prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”.
Um dos livros nos quais se deteta essa marca é "Atos humanos", romance que aborda um dos períodos mais negros da História recente da Coreia do Sul: o massacre de Gwangju. A ditadura militar da época reagiu com violência aos protestos populares, dizimando mais de 150 manifestantes. O protagonista do livro é um rapaz sobrevivente que procura minorar o sofrimento dos que o rodeiam através de gestos aparentemente insignificantes mas que se revestem de um grande simbolismo. Natural de Gwangju, Han Kang abandonou a cidade quatro meses antes do massacre, mas o trauma permaneceu.
Por isso, "Atos humanos", tal como boa parte do que Kang escreve, é um livro “que se move lentamente em direção a um lado mais luminoso dos Homens, apesar de começar com uma tragédia”, assumiu ao JN.
É ao abrigo dessa esperança na Humanidade que a autora de 53 anos diz ainda acreditar numa reunificação das Coreias, por muito que o bom senso nos desaconselhe a tal: "Será positivo que venha a acontecer. Somos irmãos. Tal como posso viajar para qualquer parte do Mundo, é justo que os cidadãos da Coreia do Norte também o possam fazer”.