"DJ, B-Boy, ouvinte ou MC, Hip Hop sou eu e és tu". A voz de Boss AC ainda nos invade a memória quando se recordam os hinos deste género musical e a história com mais de 25 anos do "Hip Hop tuga". Na sexta-feira, artistas de renome desta cultura vão subir ao palco da Altice Arena, em Lisboa, para relembrar rimas que nunca serão esquecidas.
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Vêm da "escola dos 90", do "underground", são do tempo do "scratch" em vinil. São MC's (os "mestres de cerimónias" que cantam músicas em rimas), B-Boys (dançarinos de "breaking", um estilo de dança com música de hip hop), writers (artistas de rua ou "grafitters") e DJ's (os "disc jockeys" que criam os "beats" e misturam sons). Todos são parte fundamental da história e do crescimento da cultura em Portugal, que terá começado na década de 80 e atingido o auge nos anos 90.
O Hip Hop foi criado nos EUA por afro-americanos na década de 1970 e mais tarde chegou ao país para se infiltrar nos subúrbios das principais cidades, como Lisboa e Porto. Zonas como Amadora, Cacém, Vila Nova de Gaia, Maia e Margem Sul do Tejo são consideradas por muitos o berço do movimento "tuga".
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Esta sexta-feira, na Altice Arena, pelas 22 horas, mais de 40 artistas das quatro vertentes da cultura vão levar o público a reviver alguns dos maiores êxitos dos últimos 25 anos. É uma segunda edição, sendo que a primeira aconteceu em 2017, no festival Sumol Summer Fest.
O cartaz é composto pelos DJ's Bomberjack, Cruzfader, Kronic e Nel"Assassin; os B-Boys 12 Macacos e Gaiolin Street Breakers; os writers Nomen e Youthone; e dezenas de MC's, entre os quais se destacam Ace & Presto (Mind da Gap), Boss AC, Carlão, Chullage, Dealema, NBC e Sam The Kid, "pesos pesados" da "velha escola" do Hip Hop português. O espetáculo tem duração prevista de duas horas.
"Hip Hop sou eu e és tu"
Quando recordamos alguns dos hinos do Hip Hop nacional, é inevitável que nos venha à cabeça a música de Boss AC, que em 2005 invadiu rádios e canais de televisão com a mensagem do que significa realmente fazer parte desta cultura.
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"Hip Hop é dar propz a quem quer que os mereça / Hip Hop é ouvir este granda beat e abanar a cabeça / Breakdance, Graffiti, DJ, MC / Beatbox, street wear, rimar no m.i.c. / É a discoteca a deitar por fora, o people com as mão no ar / É o DJ a mixar a pôr a tropa a dançar". Canta Ângelo César Firmino, de Cabo Verde, considerado um dos pioneiros do movimento em Portugal.
O "manda-chuva" iniciou a carreira no final da década de 80. Agora com 44 anos, conta com seis álbuns editados e várias colaborações, sendo que o maior êxito foi o disco "Ritmo, Amor e Palavras" - ao qual pertence a música "Hip Hop (Don't Stop)" -, lançado em 2005.
"Bazamos ou ficamos?"
Do Porto, chegaram em 1993 os Mind da Gap, um dos grupos lendários do movimento. Composto por três elementos, Ace, Presto e Serial, o conjunto rapidamente se afirmou como um dos principais representantes do Norte. O mítico "Sem Cerimónias" foi o álbum de estreia e os sucessores "A Verdade" e "Suspeitos do Costume" só vieram confirmar o papel de Mind da Gap no crescimento da cultura em Portugal.
Entre tantos êxitos, torna-se difícil destacar um tema para levar ao concerto na Altice Arena. Além dos clássicos "Todos Gordos" ou "Falsos Amigos", os fãs do conjunto recordam outras canções de cor, como "Bazamos ou ficamos?", outro dos hinos do movimento tuga.
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Os Mind da Gap já não editam um álbum desde 2012, quando lançaram "Regresso ao Futuro", sucessor de "A Essência" (2010). Esta sexta-feira, voltam a subir a palco para mostrar que afinal ficaram e não "bazaram".
"A Cena Toda"
Quando falamos de Mind da Gap, é quase automático falar também de Dealema. Vindo da "escola dos 90", o coletivo de cinco elementos de Gaia e Porto - Mundo Segundo, Fuse, Expeão, Maze e DJ Guze - cresceu ao lado do outro grupo nortenho e juntos participaram em várias colaborações, numa coligação que perdura no tempo.
Com seis discos, dois dos quais são EP's, o "pentágono" tornou-se uma autêntica locomotiva com "O Expresso do Submundo" (1996), que marcou a estreia, até chegar ao mais recente destino, "A Alvorada da Alma" (2013). Pelo meio, e em alta velocidade, não parou de somar êxitos e discos de antologia, como o homónimo "Dealema" (2003), "V Império" (2008), "Arte de Viver" (2010) e "A Grande Tribulação" (2011).
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Com mais de 20 anos de carreira, os Dealema têm em "A Cena Toda" o grande hino da sua obra, do álbum de 2003. "Canetas gastas e rascunhos de papeis / Nós mantemo-nos fiéis desde 96 / Incentivando putos como mandam as leis / Mano sei que nos sentes também te sentimos por perto / Vemos em ti o reflexo imenso deste projeto". A música (e o videoclipe, que tinha na televisão um peso diferente do que tem hoje na Internet) é uma homenagem ao grupo, aos fãs e ao próprio Hip Hop.
"Poetas de Karaoke"
Samuel Mira, mais conhecido como Sam the Kid, é um nome incontornável do Hip Hop português. De Chelas, em Lisboa, para o país, o "rapper" lançou-se com "Entre(tanto)", em 1999. Três anos depois, edita "Sobre(tudo)", outro disco aclamado. Mas é em 2006, com "Pratica(mente)", que Sam the Kid atinge o auge da carreira. O disco inclui temas inesquecíveis como "Juventude (É Mentalidade)", "À procura da perfeita repetição", "Retrospectiva de um Amor Profundo", "16/12/95" e, como não poderia deixar de ser, o famoso "Poetas de Karaoke".
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"Dizem que cantam hip-hop, mas não dizem nada / vêm com poesia mas é só fachada / O português não tá cansado eles vêm com o inglês / Eu pratico praticando a nossa língua outra vez / Seja hip-hop, seja rock são poetas de karaoke". As palavras são recitadas vezes sem conta pelos fãs do movimento, numa mensagem de reprovação pelos plágios e por aqueles que tentam imitar outros artistas ou cantar em inglês. Será um dos hinos obrigatórios na Altice Arena.
Agora com 39 anos, 20 dos quais dedicados à carreira, Samuel continua a produzir novas canções e até lançou um novo álbum em outubro de 2018, 12 anos depois do disco anterior, apresentando como single o tema "Sendo Assim".
"Dialectos de Ternura"
"Ela diz que me adora quando a noite vai a meio...". Qualquer fã de Hip Hop podia continuar a cantar a letra de cor. A voz é de Carlão, embora a música seja do grupo a que pertencia na altura (2007), os Da Weasel. Esta sexta-feira, porém, o "pacman" vai atuar a solo, uma vez que a banda anunciou o fim em 2010. Desde então, Carlos Nobre, agora com 43 anos, tem editado projetos em nome próprio, mas será sempre associado ao conjunto que lançou o tema "Dialectos de Ternura".
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Além deste clássico, os Da Weasel têm outras canções de boa memória, como "Re-Tratamento", "Toque-Toque" ou "Força". Agora sozinho, Carlão também já apresentou alguns êxitos como "Os Tais", "A Minha Cena" e "Viver Pra Sempre". O certo é que, seja a cantar Da Weasel ou a solo, o "pacman" leva espetáculo garantido com ternura.
Claro que além destes cinco exemplos da "velha escola", muitos outros da nova geração vão subir ao palco e mostrar o que de melhor se tem feito nos últimos anos no movimento "tuga". Qualquer que seja a idade, o aspeto, a preferência, a região ou roupa vestida, todos os fãs desta cultura vão unir-se para relembrar as rimas dos artistas favoritos, de braço no ar e letras na ponta da língua. E é isso mesmo que significa o Hip Hop.