
Nuno Cardoso é o extraordinário intérprete do monólogo "Homens hediondos"
FOTO: João Tuna
Peça de teatro de Patrícia Portela, baseada em texto de David Foster Wallace, continua em digressão e chega esta sexta-feira a Águeda. Nuno Cardoso dá corpo a todos os "Homens hediondos".
Corpo do artigo
Quem são, afinal, os homens hediondos? Monstros de contornos grotescos, habitantes de um outro tempo, ou apenas pessoas normais, colegas, pais, amantes, amigos que carregam dentro de si uma violência silenciosa, socialmente aceite, que confundimos com rotina? A versão de "Homens hediondos" concebida por Patrícia Portela e interpretada por Nuno Cardoso responde sem responder: os monstros somos nós.
Inspirado em "Breves entrevistas com homens hediondos" (1999), de David Foster Wallace, o monólogo de Nuno Cardoso é um exercício de espelho, e o reflexo raramente é bonito.
No palco, o ator não representa apenas um homem; representa-os todos. Transforma-se, desliza entre registos, muda de corpo e voz como quem muda de máscara. As suas personagens são sedutoras, inteligentes, vulneráveis, cruéis. Homens banalmente hediondos. Familiarmente hediondos. Tão reconhecíveis que o riso que convocam é desconfortável.
A escrita de Patrícia Portela recusa a armadilha da moralização. Não há bons nem maus, há apenas a complexa arquitetura das relações humanas, a forma como o poder se infiltra no amor, como o hábito legitima a desigualdade, como a cultura perpetua a violência em nome da estabilidade. O texto é um campo minado onde cada frase expõe a contradição de quem condena o sistema enquanto dele beneficia.
No corpo e na voz de Nuno Cardoso, essas contradições ganham espessura e ritmo - o ator não interpreta, antes contamina. As palavras de Wallace, filtradas por Portela, tornam-se confessionário, tribunal e purgatório. E a cada monólogo, o público é empurrado para dentro do mesmo espelho: quantas vezes fomos cúmplices do que fingimos rejeitar?
"Homens hediondos" não procura a catarse, mas o desconforto. É teatro que se aproxima da vida.
O Centro de Artes de Águeda acolhe a peça esta sexta-feira, em récita única, às 21.30 horas. Os bilhetes custam entre 5 e 7 euros.

