Britânicos iniciaram com glória a digressão europeia de “Tangk”, na quinta-feira, no Super Bock Arena. São banda confirmada no próximo Paredes de Coura.
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Há um momento axial na vida das grandes bandas – aquele em que já passaram do estrépito inicial e ainda não entraram no doce tricô da maturidade. É o momento de todas as possibilidades, em que se junta a estamina e a experiência. Vamos chamar a isto o “auge”. E é nesse ponto que se encontram os Idles, atuais líderes do top britânico de álbuns mais vendidos com “Tangk”, o novo trabalho que iniciou anteontem, refulgente, a digressão europeia de promoção. “Não queremos esquecer que começou aqui, estamos a viver um sonho”, atirou um Joe Talbot esbodegado, já no final do concerto. Os mais de 6 mil que encheram a Super Bock Arena, no Porto, também não esquecerão – viram uma grande banda no seu auge.
“Tangk” assinala uma mudança quântica no som do grupo de Bristol (terra de heróis como Massive Attack ou Portishead) – e não só no som, também nas letras. Do tom rangente e visceral dos primeiros álbuns, como “Brutalism” (2017) e “Joy as an act of resistance” (2018), em que malhavam forte no sistema político britânico, subitamente encontraram ricas texturas eletrónicas para recobrir o seu vigor analógico – e passaram a concentrar no amor o seu gesto político. A contundência leva agora um cravo. E, no plano pessoal, Talbot chorava a morte da mãe em 2017 e celebra agora o crescimento da filha.
Mas o “auge” significa que todas as partes vibram: o que foi passado junta-se ao agora num festim de potencial sonoro e emocional. Por isso, escutaram-se os Idles da língua afiada e do tumulto: “Este é um tema anti-fascista”, anunciou Talbot na vigésima quarta e última faixa do concerto, “Rotweiller”, depois de outros incêndios como “Danny Nedelko”, bom tema para introduzir em comícios de partidos populistas, que diz na primeira linha “My blood brother is an immigrant”, e ainda “1049 Gotho” ou “I'm scum”, semeados de apoio à Palestina e de apupos ao rei. Mas também os Idles deliquescentes de “Grace”, “Mother” ou “A gospel”.
Houve ainda curiosas atualizações, como em “Never fight a man with a perm”, em que a banda revolveu e transformou o tema, acrescentando camadas ao esqueleto furioso da canção. Nota-se a cultura dos Idles – e ninguém faz boa música sem se munir de abundantes referências. Há ecos de rock industrial, da velocidade do hardcore, do hibridismo da DFA Records (sobretudo dos The Rapture), do funk à Red Hot Chili Peppers e até da embriaguez poética de Jim Morrison. A tudo isto o público reagiu a preceito: ondulando encapeladamente ou recolhendo-se com sobriedade. “Os festivais são uma treta, preferimos tocar na casa que vocês construíram”, declarou Talbot. Mas quem não esteve na “casa” lá terá que ir ao festival – e certamente que os Idles estarão ainda no auge no próximo Paredes de Coura (que anunciou também a vinda de Protomartyr, Model/Actriz e Sprints).