A ideia parecia saudável. Os miúdos e as rapariguitas eram engraçadíssimos, não podiam ser mais afáveis e aparentavam ter nascido para o atletismo, em versão um milhão e 300 mil metros barreiras.
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Por isso, a distribuição de alguns dólares ao magote de figurinhas magras e escorreitas que perseguia o jipe utilizado por Indiana Jones aquando das aventuras na ilha do Mussulo - não existiram, mas podiam ter existido - afigurou-se ao casal trintão e relaxado como o gesto certo na altura correcta.
Asneira. Assim que as notas escolhiam o receptor, o pobre ficava rico de pontapés, empurrões, bofetadas e carícias similares. Pecado: tinha conseguido chegar à fala com o dólar.
Agredidos e agressores iam mudando de estatuto consoante o dinheiro ia aparecendo. Porque a parelha ainda demorou a perceber que estava a fazer mais mal do que bem. Aliás, começou a instalar-se a dúvida: a bondade era genuína, o espectáculo agradava ou o espaço disponível para os neurónios estava por preencher?
De qualquer modo, do que os "esbanjadores" não tinham culpa era da situação perversa daquela miudagem. Viviam numa espécie de paraíso a sul de Luanda em condições a roçar o infrahumano. Lidavam com turistas endinheirados e mansões de generais e de quadros superiores de petrolíferas e nem comida para o cão tinham. As cabanas em que habitavam não eram dignas sequer de ser pasto para chamas, mas tinham uma panorâmica deslumbrante das praias.
É, na verdade, um "zoom" da realidade angolana. País de formidáveis condições naturais, mantém-se, ainda, refém das cicatrizes de uma guerra que custa a apagar da memória e de comportamentos que o contexto social e político continua a potenciar, de tão frágil.
De qualquer modo, o que mais impressionou naquela tarde abafada de Fevereiro não foi a situação "per se", mas sim a circunstância de ela ser protagonizada por meninos e meninas entre os quatro e os dez anos de idade. No entanto, já tão velhos.