A 4.ª edição do festival que traz concertos, cinema e conversas a vários locais da cidade alentejana decorre até sábado. Músicos de quatro continentes trouxeram cosmopolitismo e fizeram crescer a adesão do público.
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Performances realizadas no cromeleque Vale Maria do Meio, um monumento neolítico; encontro do cante alentejano com a música tradicional galega no montado; concertos de músicos do Paquistão, Estónia, Coreia do Sul, Tunísia ou Turquia no magnífico Teatro Garcia de Resende; um ciclo de documentários musicais e diversas atividades que envolvem a universidade, as escolas e a família. Tem sido assim o Imaterial, que desde 17 de maio transformou Évora em espaço de acolhimento das culturas do Mundo, ligando-as à sua paisagem, património e comunidades. E vai ser assim até sábado.
A qualidade e diversidade das propostas é assegurada pela direção de Carlos Seixas, histórico programador do Festival Músicas do Mundo de Sines, que explica ao JN as diferenças fundamentais entre os dois certames: “Sines relaciona-se mais com a música contemporânea, com os cruzamentos de várias geografias, de várias raízes. Já o Imaterial procura músicos que têm como inspiração a sua própria cultura e os seus repertórios. É preciso pensarmos que não existe só a música clássica Ocidental: há tradições eruditas em muitos países africanos e asiáticos, que são também desafiadas e renovadas pelos músicos de hoje.”
Coorganizado pelo município e pela Fundação INATEL, o Imaterial deu um contributo decisivo para a seleção de Évora como Capital Europeia da Cultura 2027, e instalou-se na cidade pela sua riqueza patrimonial, que lhe valeu, em 1986, a classificação como Património Mundial da UNESCO. “É uma cidade identitária, não só pelos edifícios como pela paisagem da região, além dos seus valores imateriais”, lembra Carlos Seixas a propósito do cante alentejano, que foi reconhecido como Património Imaterial da Humanidade em 2014.
Assumindo-se como festival de primavera, o Imaterial regista um crescimento significativo na sua 4.ª edição, com uma adesão na ordem dos 70 por cento ao conjunto da programação, mais público estrangeiro, mais presença de escolas, lotações esgotadas nos concertos. Cerca de 2 mil pessoas participaram nas várias atividades do certame nos primeiros quatro dias, havendo uma clara dimensão de serviço público: muitos eventos são gratuitos e as sessões duplas de concertos têm o preço simbólico de três euros.
Sons do planeta no Alentejo
Epicentro do festival, o Teatro Garcia de Resende, belíssima sala de perfil italiano inaugurada em 1892, tem recebido diariamente concertos que sintetizam as intenções de Seixas: músicos que trazem o seu Mundo até Évora. Na terça-feira, atuou Duo Ruut, da Estónia, formado por Ann-Lisett Rebane e Katariina Kivi, que utilizam um antigo instrumento de cordas, o kannel, para revisitar repertório tradicional, mas também para engendrar novas possibilidades de composição.
Logo a seguir, subiu ao palco o paquistanês Ustad Noor Bakhsh, que extrai um som hipnótico, serpenteante e gentil do benju - adaptação regional de um instrumento de brincar japonês, levado para o paquistão por marinheiros. Os seus temas contam histórias simples sobre mulheres bonitas e músicos populares do Balochistão, relacionando-se por vezes com o cântico de pássaros. Bakhsh atravessou as fronteiras do Ocidente perto dos 80 anos com o álbum “Jingul” (2022), e entretanto atuou em festivais como Roskilde ou Le Guess Who?.
Já na quarta-feira, após a apresentação de uma recolha de sons feita pelo político e escritor António Modesto Navarro, no Alentejo, em 1976, onde captou o espírito da Revolução e da Reforma Agrária através do testemunho de poetas populares, o teatro acolheu a dupla Lena Jonsson (Suécia) e Johanna Juhola (Finlândia), que combinam as suas diferentes tradições num diálogo ora festivo, ora melancólico, entre o acordeão e o violino. Desfizeram-se em elogios a Évora e cativaram o público também pela simpatia esfuziante.
“Somos imateriais”
No segundo concerto da noite atuou Maite Larburu, do País Basco, que se especializou na interpretação de música antiga, mas trouxe ao Imaterial um registo exploratório e espiritual. A voz oscila entre o sussurro e a altissonância e é acompanhada por abordagens invulgares à bateria (que apenas produz tensão) e a vários cordafones (que exploram vibrações). Também se deliquesceu com Évora, onde já atuara duas vezes, e a propósito de um dos temas resumiu o espírito do festival: “Somos tudo aquilo que está debaixo dos ossos. Somos invisíveis, somos imateriais”. A fechar o concerto, interpretou uma versão peculiar de “Menina estás à janela”, de Vitorino.
O Imateral continua esta quinta-feira, às 21.30, com concertos de Parveen & Ilyas Khan, da Índia, e Davide Ambrogio, da Calábria. Na sexta-feira, a sessão dupla inclui o dueto Cocanha, da Occitânia, e a cantora tunisina Emel, uma das vozes da “primavera árabe”. No sábado, o festival despede-se com Melisa Yildirim & Swarupa Ananth (Turquia/Índia) e Tomasito, de Espanha, que mistura flamenco, hip hop e ska.