Iraniano Jafar Panahi em Cannes: "Temos de encontrar uma solução para a espiral de violência"

Panahi conquistou o prémio maior da edição 78 do Festival de Cannes com o seu último filme, “Um simples acidente”
Foto: Guillaume Horca Juelo/EPA
Jafar Panahi encontrou-se com a imprensa depois de receber Palma de Ouro de Cannes.
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Já é uma tradição de Cannes. Após o encerramento da cerimónia de entrega dos prémios entregues pelo júri oficial, os diversos vencedores passam pela sala de conferências de imprensa, culminando com o galardoado com a Palma de Ouro, encerrando-se assim, simbolicamente, cada edição do festival.
Este ano, a honra coube ao iraniano Jafar Panahi, que conquistou o prémio maior da edição 78 do Festival de Cannes com o seu último filme, “Um simples acidente”, realizado uma vez mais na clandestinidade. Já libertado da prisão e tendo cumprido o período em que esteve formalmente proibido de filmar, o que não o impediu, no entanto, de o continuar a fazer, Panahi sabia desde logo que o seu novo filme não receberia as necessárias autorizações de rodagem por parte das autoridades.
Na realidade, e partindo de um simples acidente, como o título indica, o filme do iraniano, que começou a carreira como assistente de Abbas Kiarostami, desenrola uma série de situações que espelham a realidade atual do país, que vive uma situação económica catastrófica e coloca a questão de saber se a necessária transição para a democracia e a liberdade se fará à custa da vingança, olho por olho, ou de uma necessária reconciliação nacional.
Jafar Panahi começou por confessar que “todos os prémios são uma honra para um cineasta, sobretudo sabendo que por detrás de cada prémio há um enorme trabalho, não só por parte do realizador mas também dos atores e de toda a equipa técnica.” Aliás, toda a primeira fila da sala estava ocupada por atores e técnicos do filme. “Agradeço calorosamente a toda a minha equipa, uma parte da qual está aqui comigo, e a quem desejo a maior das felicidades para o seu futuro”, disse Panahi.
Ao moderador da conferência de imprensa não passou despercebido que, após ouvir o seu nome como vencedor da palma de Ouro, Jafar Panahi colocou as mãos na cabeça e esperou vários segundos antes de se levantar, para se dirigir ao palco. “Muitas imagens passaram pela minha cabeça nesse momento”, recordou. “Vi os rostos de todos os que estiveram na prisão comigo, um a um. Nós estávamos na prisão, mas nas ruas o povo iraniano lutava pela sua liberdade. Nesse momento pensei que estava feliz, mas feliz por todos eles.”
Jafar Panahi passou a pertencer ao grupo restrito de realizadores que já venceu em Cannes, Berlim e Veneza, os três maiores festivais de cinema do mundo. “Não entendo este prémio apenas como uma consagração pessoal”, disse, no entanto. “Houve muita gente que trabalhou no cinema iraniano para que pudéssemos chegar a este ponto. Houve colegas que trabalharam em condições ainda muito piores do que as minhas. Nessa altura, ninguém no mundo sabia nada sobre o cinema iraniano. Foram eles os fundadores do cinema iraniano e que nos permitiram chegar onde estamos agora. Hoje há muitos jovens que estão a continuar este caminho e quero que saibam que nenhum poder os pode impedir de continuar o seu caminho e que eles têm a solução para resolver a situação complicada em que vivemos.”
O realizador admitiu que desde que o filme passou pela primeira vez em Cannes que não deixa de receber mensagens de apoio. “Não me tinha apercebido que este filme era tão importante para os jovens cineastas e que fosse uma réstia de liberdade para tanta gente. Dou todo o meu apoio a todos os realizadores iranianos que desejam mostrar os seus filmes no mundo inteiro”, disse Panahi.
“Para mim e para a minha geração de realizadores, o cinema é o que mais conta. Pusemos tudo o que tínhamos na vida para fazer os filmes que queríamos fazer. Nunca permitimos que as condições económicas influenciassem o nosso cinema nem que ninguém nos dissesse que filmes devíamos fazer. Fizemos o que tínhamos de fazer e o que desejávamos fazer”, respondeu Panahi a uma questão que desejava levar a discussão para um tom mais diretamente político.
Na realidade, e para terminar este momento de encontro final com a imprensa antes de Cannes encerrar as suas portas, já bem de noite no último sábado, Jafar Panahi sublinhou a universalidade do seu filme e do seu cinema. "Há problemas um pouco por todo o mundo. Há guerras e regimes ditatoriais por todo o lado. Todos os países têm os seus problemas. É algo que todos partilhamos. Há um sofrimento que todos partilhamos e é disso que os meus filmes falam.”
Jafar Panahi terminou a sua intervenção num tom de otimismo, como já revelara em conversa com o JN, a publicar quando o filme estrear em Portugal: “Se falamos da violência é para perguntar se essa violência vai continuar ou não. Temos todos medo da violência. Temos de encontrar juntos uma solução para acabar com esta espiral de violência. E espero que acaba em breve.”
