"Morrer pelos passarinhos" de Lígia Soares e Henrique Furtado Vieira é apresentado esta sexta e sábado, às 19 horas, no Teatro municipal Rivoli, no Porto. Uma produção no âmbito do FITEI.
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No pequeno auditório do Rivoli, o público assiste ao espetáculo "Morrer pelos passarinhos", mas o verdadeiro palco está lá fora, na rua. Em tempo real, vemos pessoas comuns interpeladas por uma artista que quer falar sobre invisibilidade, abandono e a pulsão da presença. Lígia Soares atira a pergunta: “Estamos sempre a ver extrovertidos no palco, mas e os introvertidos?” — e com isso, lança-nos para o cerne de uma peça que é simultaneamente uma convocatória e um espelho.
Um espetáculo que nos obriga a parar. A ouvir. A observar. Um exercício de atenção num tempo saturado de ruído. Lá fora, um homem diz que vai treinar na Pasteleira. Outro, que tem exames para marcar. E finalmente, Pedro — um cozinheiro na paragem de autocarro — cede ao apelo e sobe ao palco improvisado. Ele fica sozinho, iluminado. E é nesse silêncio que a peça acontece. A vulnerabilidade dele torna-se desconforto nosso. Só então falamos. O teatro não como palco de ficção, mas como lugar de reação. Ligia grita “socorro”. O pedido ecoa em camadas. Henrique Furtado Vieira surge: "não tem dinheiro, mas tem depressão". Os corpos nus falam ao telemóvel. Alguém ameaça o fim. Alguém pergunta: “Isto é um assalto?”
"Morrer pelos passarinhos" não é uma peça — é uma provocação viva, uma tessitura de seis performances onde teatro e realidade se fundem. Godots modernos, bocas falantes, um frigorífico com fala. Beijos digitais, relações líquidas. Spam emocional. Uma sociedade de perfis, de likes, de isolamento partilhado. Há grilos e larvas a serem degustados, há um karaoke de poesia sonora, há uma sala de ensaios transformada em quarto escuro.
A crise social, climática e da habitação invadem a cena, e no final, um statement. "Faltam 300 anos para a igualdade de género", dizem. E essa verdade dói mais do que a ficção, ironia sensível, com lucidez poética. Aqui também há disso. Lígia Soares e Henrique Furtado Vieira mergulham-nos na lama para ver se acordamos. Confrontam-nos com a passividade e a urgência, com a presença real em tempos de presença virtual. Um teatro que nos agita, nos estranha, nos transforma. Não se sai igual. Sai-se mais lúcido. E talvez, só talvez, mais vivo.
"Morrer pelos passarinhos"
Teatro municipal Rivoli
Sexta-feira e sábado às 19 horas