"Crónicas de Jerusalém", de Guy Delisle, já venceu o Melhor Álbum de BD no Festival de Angoulême. O livro ajuda a compreender a situação de estado de guerra permanente entre judeus e árabes.
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Parece óbvio que, com alguma frequência, a atualidade condiciona a edição. Ou melhor, por vezes, propícia essa mesma edição. Não podemos afirmar que seja o caso de "Crónicas de Jerusalém", até porque as outras obras de Guy Delisle ("Shenzem", "Pyongyang", "Crónicas da Birmânia"), estão editadas em português, também pela Devir, mas é difícil olhar para este livro, ou para "História de Jerusalém" (Levoir, 2024), sem ter em mente a atual situação bélica em Israel, na Palestina e nos países limítrofes.
Autor de animação e de banda desenhada, Delisle é casado com uma mulher que pertence aos Médicos Sem Fronteiras e foi nesse contexto que o autor passou cerca de um ano em território israelita.
Tal como nos livros anteriores, a estadia serviu-lhe para expor o que foi observando quotidianamente, nos passeios com o filho pequeno, nas idas e vindas para fazer esboços ou nas deslocações diárias que empreendia.
Misto de guia turístico, apresentação factual de realidades observadas e apontamentos de ordem mais pessoal, estes últimos geralmente servidos com algum humor, o álbum dá origem a uma leitura aparentemente leve, mas que revela muito do que é a vida real em Israel, em Gaza, nos colonatos ou na Palestina ocupada.
Se é verdade que não há da parte de Delisle o assumir de uma posição política, nem a defesa de nenhuma das posições em confronto, alguns dos aspetos retratados, sempre sob uma ótica subjetiva, ajudam a compreender a situação de estado de guerra permanente que se vive, com a multiplicação de controles de passagem ou de visita a locais turísticos, a quase paranoia que rodeia a concessão de vistos de entrada ou a normalidade do porte de armas por toda a gente.
E se "Crónicas de Jerusalém", que recebeu o troféu para Melhor Álbum de BD no Festival de Angoulême 2012, não ostenta as bandeiras políticas que muitos desejariam, enquanto retrato de comportamentos díspares e espelho de uma realidade diferente, revela-se um livro muito interessante - e importante - sobre as diferenças e indefinições do ser humano.