Reeditada a obra que revelou o escritor J. Rentes de Carvalho no seu país de acolhimento: “Com os holandeses”. O livro faz agora 51 anos que foi originalmente publicado.
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Diz muito de um povo o modo como este reage à crítica. Se inseguro ou altivo (o que bastas vezes se confunde), tende a virar-se contra o autor do comentário, ainda para mais se este tiver escolhido aquele país para viver, o que levanta logo um rol de desaprovações à mistura, com a suposta ingratidão revelada acima de todos.
O que não acontece com frequência é vermos o referido crítico a ser alvo de genuíno interesse da parte dos destinatários da crítica, procurando obter mais e mais detalhes sobre as razões dessa opinião, mesmo que desfavorável.
Foi o que sucedeu a J. Rentes de Carvalho quando publicou, em 1972, “Com os holandeses”, uma obra em que o autor natural de Vila Nova de Gaia descreve as suas relações com aquele povo ao longo de 16 anos. O imenso sucesso editorial registado, com sucessivas reimpressões, contrastou com a indiferença no seu próprio país, onde o livro só acabaria por ter uma edição comercial quase 40 anos mais tarde, graças ao empenho de Francisco José Viegas, editor da Quetzal.
Dobrados mais de 50 anos sobre a publicação original, há uma nova edição de “Com os holandeses” nas livrarias portuguesas, acrescida de uma nota do autor, no que constitui um duplo deleite. A oportunidade de o leitor descobrir (ou confrontar-se novamente) com a sempre enxuta prosa do autor de “A amante holandesa”, mas talvez ainda mais o olhar analítico e tantas vezes mordaz que revela ao longo destas notas soltas, que evitam a tentação de serem cientificas ou demasiado sisudas.
Sem concessões dúbias ou parcimónias vãs, Rentes observa os usos e costumes de um povo tão diferente do português de cepa que nunca deixou de ser, mesmo vivendo quase em permanência fora do país durante mais de 70 anos: tanto lhes aponta a má comida, a língua rumorejante, o clima agreste, a sovinice, mau feitio, “a antipatia e complexidade bizantinas”, entre muitos outros defeitos, como lhes louva, com um entusiasmo contido, é certo, a organização e eficiência, o caráter visionário revelado em diferentes momentos da história ou a “beleza e rebelião, segurança e solidariedade”.
Terá sido precisamente pela frontalidade, a par do talento em escapar aos lugares-comuns, que a obra foi acolhida com tal onda de simpatia que consolidou em definitivo o percurso literário de J. Rentes de Carvalho.