Em “O Amador”, baseado num romance de Robert Littell já adaptado ao cinema, Rami Malek é um funcionário da CIA que tem de procurar sozinho os homens que mataram a sua mulher num ataque terrorista.
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Estivemos a conversar com o realizador James Hawes, autor da série “Slow Horses”, entre outros trabalhos para a televisão.
O filme baseia-se num romance que foi escrito há mais de quarenta anos. O que teve de mudar para o adaptar aos nossos dias?
A Guerra Fria acabou, o mundo é muito diferente hoje. Tínhamos de assegurar que a história parecesse contemporânea. Sabendo agora que muita coisa mudou desde que acabámos o filme. Mas, por exemplo, mudámos uma ação que se passava em Praga para Istambul. Na altura, Praga era uma cidade cheia de espiões, hoje é mais um centro de festas de despedida de solteiro. Istambul pareceu-nos mais interessante.
Como obteve toda a informação necessária para tornar o filme tão realista?
Tínhamos algum conhecimento do que seria possível mostrar. Mas, honestamente, recebemos alguns conselhos de fontes da CIA. Usámos a nossa imaginação, a nossa equipa brilhante de efeitos especiais, falámos com peritos em vigilância e passámos tudo aos nossos consultores da CIA, para que o que mostramos tivesse lógica. Na realidade, há uma quantidade assustadora de autenticidade no que mostramos.
O que encontraram no Rami Malek para ser ele o Charles Heller do filme?
Esperava dele a inteligência e a autenticidade que trouxe ao projeto. Quis que me desse o envolvimento emocional, porque a viagem que dele no filme é sobretudo emocional. Queria que fosse capaz de transmitir as diferentes temperaturas das emoções que sente durante o luto da sua personagem e a sua recuperação. Do que não estava à espera era do grau de coragem e empenho que ele trouxe como ator. Queria sempre inventar coisas, testar os seus limites, o que fez de forma maravilhosa.
Está mais habituado a trabalhar na televisão. Como foi a experiência com este projeto de cinema?
Este é um daqueles filmes que gostaria de ir ver ao cinema. É um filme para ver num sábado à noite, numa grande sala. Espero que as pessoas o vejam assim, pode ser uma experiência extraordinária. Tem uma personagem no seu centro, de que acompanhamos na sua viagem. Não são só cenas de ação e efeitos especiais. É verdade que há perseguições de automóveis e acidentes espetaculares, mas com pessoas de que gostamos.
Sentiu alguma diferença no seu trabalho?
Tenho sido mimado nos meus projetos para a televisão. E penso que têm todos uma certa dimensão cinematográfica. A ideia era trazer isso para o grande ecrã. E, na prática, o que faço como realizador na televisão ou no cinema é a mesma coisa. Tento contar uma história, mantendo um certo tom e um certo gosto. A diferença está no ritmo de trabalho. E de ter consciência da dimensão espetacular que o cinema exige.
O filme remete-nos para uma grande tradição de filmes americanos de espionagem.
Claro que vi filmes como “Os Três Dias do Condor”, “Os Homens do Presidente”, ou “Perigo Público”, do Tony Scott. Todos têm uma personagem no seu centro, pessoas comuns que vêm as suas vidas dar uma volta de um momento para o outro. Quis muito honrar toda essa herança, filmes que lidam com a ideia de paranoia. E tem a ver também com as ferramentas tecnológicas e quem as domina, os heróis ou os vilões.
O filme coloca questões éticas e psicológicas, por a personagem central se querer vingar pessoalmente da morte da mulher.
A cena com o psicanalista é baseada na preocupação que tivemos com essa situação. Trabalhámos muito os diversos níveis de luto, como as pessoas reagem de forma diferente à perda de um ente querido. Mas fomos mais longe. Quisemos que as diferentes mortes refletissem os diferentes níveis de recuperação da personagem. Em alguns deles ainda está em negação, noutros está realmente furioso e já não quer saber de mais nada.
No fim do filme a diretora da CIA pede desculpa publicamente. Numa altura em que está alguém na Casa Branca que dificilmente pedirá desculpa por alguma coisa, poderemos dizer que “O Amador” é um filme de resistência?
A pergunta é fantástica, mas o filme começou a ser feito há já alguns anos e terminámos antes de novembro. Mas fomos muito cuidadosos ao sugerir, e espero de uma forma satisfatória, que toda a gente, mesmo os vilões dentro da CIA, acreditam, mesmo que de forma distorcida, que estão a agir corretamente e que são patriotas. Não quis um vilão de banda desenhada. Espero que se veja a complexidade política que colocámos no filme. Não quis fazer um filme de resistência, porque na altura não havia ainda nada para resistir.
Como realizador, como é que se mantém o suspense ao longo de todo o filme, sem necessariamente cansar o espetador?
Tem a ver com o ritmo e a utilização das ferramentas do cinema. Tenho uma lei particular que utilizo para o suspense a que chamo “ocultar e revelar”. Por exemplo, quando uma personagem entra numa sala e sente que há um perigo, a ideia é esperar e esperar e esperar até revelar o que é. E claro que se usam técnicas de iluminação e de câmara para manter o espectador no fio da navalha. E também na montagem. Ainda bem que se sente a tensão, que antecipamos e ficamos nervosos com o que vai acontecer à personagem.
Os novos tempos vão originar mudanças no filme de espionagem?
Repito que o filme foi todo feito antes das mudanças que se verificaram na administração norte-americana, em relação às quais não quero fazer nenhum juízo de valor. Mas tenho a certeza que o filme de espionagem pode mudar no futuro imediato, por ser um espaço que permite explorar os perigos que nos rodeiam e como nos sentimos em relação a eles.
Agora que parece estar a ser difícil haver um novo James Bond, vamos poder ver um novo filme com Charles Heller?
É inteiramente possível que tal possa acontecer. Sentimos a dinâmica da personagem. Com o Rami, criámos um tipo diferente de espião. Até onde poderá ir no futuro? Depende até que ponto as pessoas vão gostar do filme.