Circuito de espetáculos é incipiente e dominado por espectadores de fora. Dia Internacional do Jazz assinala-se este sábado.
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Os dedos das duas mãos ainda chegam e sobram para contarmos os espaços em Portugal que apresentam de forma regular jazz ao vivo nas suas programações. Um défice que, para os músicos, empresários e programadores auscultados pelo JN, é indissociável da reduzida expressão deste género musical, pese embora o crescimento no último par de décadas.
Se é certo que o clube de jazz mais antigo da Europa (o Hot Clube, em Lisboa) até é português, os elevados encargos associados à manutenção de um espaço dessa natureza fazem com que seja necessária "uma grande dose de paixão" para avançar com o projeto. Quem o afirma é Luís Hilário, histórico ex-programador do Hot Clube, que recorda "os muitos concertos que davam prejuízo à casa".
A escassez de oferta é negativa até para os próprios músicos, que deste modo se veem privados de uma prática mais regular. "A falta de locais para tocar acaba por limitar o crescimento dos músicos. É nos clubes que eles se formam", adianta.
A observação é corroborada por Budda Guedes, músico e produtor que defende que "um concerto vale por dez ensaios". O bluesman de Braga afirma não dispensar "a intimidade que se cria com o público em clubes ou auditórios" e lamenta a inexistência de uma cultura de valorização da música ao vivo. "Há pessoas que não têm problemas em pagar 15 euros por um copo de gin, mas já acham muito caro dar 3 euros por um concerto", aponta, mostrando-se, todavia, confiante na mudança trazida pela pandemia. "Com os confinamentos, as pessoas aperceberam-se de que a música ao vivo não é replicável nem pode ser substituída", diz.
Apoios são miragem
A suspeita levantada por Budda Guedes sobre a reduzida apetência dos portugueses para pagarem para ouvir música ao vivo ganha foros de maior certeza ao analisarmos a clientela habitual dos clubes de jazz. No caso do Hot Five Jazz & Blues Club, 80% da clientela é formada por turistas estrangeiros, revela o proprietário, Alberto Índio. "O boom do turismo no Porto foi muito benéfico para nós", recorda, explicando que "os portugueses acabaram por vir depois".
Mesmo não atingindo índices tão elevados noutros clubes, o predomínio da clientela estrangeira é uma realidade. Além de consumirem mais em média, os turistas apresentam ainda outra vantagem. "Planeiam e reservam tudo antes da chegada", explica o empresário portuense.
Com a experiência conferida por uma carreira musical de mais de 40 anos, o pianista André Sarbib reforça a ideia de que a falta de locais "não foi provocada pela pandemia", mesmo que alguns clubes e bares onde era possível escutar jazz tenham entretanto fechado. "Apesar disso, somos dos países da Europa com um maior número de festivais, o que é um contrassenso".
O cenário poderia ser distinto se o papel cultural desempenhado pelos clubes fosse reconhecido oficialmente. Em Inglaterra, o Ronnie Scott"s, em Londres, foi pago pelo Estado durante o confinamento para transmitir concertos em streaming e na Alemanha, o governo regional da Renânia do Norte atribui uma verba mensal a estes espaços. "Mesmo sem apoios, sabemos que estamos a fazer algo pela cultura", diz Alberto Índio.
Roteiro
Hot Five
Rua de Guerra Junqueiro, 495, Porto
É o porta-estandarte do jazz ao vivo no Porto. O projeto do músico Alberto Índio remonta a 2006, ano em que abriu as instalações na Rua Actor Júlio Dias, próximas da Muralha Fernandina.
Porta-Jazz
Rua João das Regras, 305, Porto
Numa década, a Associação Porta-Jazz promoveu mil concertos e editou 50 discos. Mas a marca mais impressiva da sua existência é o fervilhar criativo da sede, espaço regular de concertos e residências artísticas.
Mirajazz
Escadas do Caminho Novo, 11, Porto
Nem todos os sítios onde se ouve jazz são soturnos ou fumarentos. No Mirajazz é possível assistir a um concerto enquanto se observa a deslumbrante paisagem de Miragaia.
Jazz ao Centro
Largo do Poço, 3, 1.º, Coimbra
Mais do que um clube, a Jazz ao Centro é um pólo irradiador de música - jazz e não só -, desenvolvendo projetos tão díspares como a organização de festivais, a edição de discos ou a promoção de serviços educativos. No Salão Brazil, espaço que a associação gere em Coimbra, o jazz tem forte peso.
Hot Clube de Portugal
Praça da Alegria, 48, Lisboa
O mais antigo clube de jazz da Europa é a catedral do género em Portugal. A revista "Downbeat" incluiu-o na lista dos 100 melhores clubes de jazz do mundo.