Raquel Martins e Du Nothin abriram o segundo dia do Festival Paredes de Coura ainda fora do recinto. Na margem do rio Coura, há concertos antes da abertura de portas que animam festivaleiros, campistas e meros transeuntes.
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Há um casal, deitado sobre uma toalha estampada com uma praia paradisíaca, que não pára de se acarinhar. Um beijo aqui, um beijo ali. Ao lado, está um grupo de amigos que, a dois metros do palco, montou um farnel invejável. Duas panelas, quatro pratos, talheres (tal qual como em casa) e copos cheios de cerveja. Não param o manjar.
Há ainda uma rapariga de biquíni cor de rosa ou um rapaz de chapéu verde - e, como eles, tantos outros - que não largam os livros que estão a ler. Um Saramago e um Kafka. Toda esta panóplia de atividades - e tantas outras, já que há também quem jogue cartas, termine uma partida de xadrez ou encha mais um colchão - acontece sem parar quando, em simultâneo, se dá a abertura musical do segundo dia do Festival Paredes de Coura. Estamos no palco “Jazz na Relva”, ainda fora de portas do recinto. Mas, por aqui, há pouco jazz, muita relva e um ambiente de parafernália pré-festival.
Quem abre o palco é Raquel Martins. Entra sorrateiramente, quase como se não quisesse incomodar quem namora, almoça ou lê um livro. A primeira música é um indie calmo que prepara o ambiente para o que será, veremos, um concerto em crescendo - de ritmo no palco e de atenção no relvado.
A artista apresenta-se logo na segunda música. Diz-nos que vive em Londres há seis anos e que “nada sabe melhor do que tocar em casa”, arrecadando diversos aplausos, entre eles, os mais fortes são de emigrantes, que são instigados por Raquel a fazerem-se ouvir. É exatamente sobre casa que uma das músicas nos fala. “The sea”, explica, é sobre “viver entre duas casas e nunca saber bem onde é casa”. As letras das músicas tanto vão do português ao inglês, e acontecem no tom certo que serve de pano de fundo para as conversas continuarem paralelamente. São ao jeito da sua formação, em música do Brasil, com um ritmo carioca marcado de fundo, mas sem abandonar a melancolia típica de quem vive na nublosa Londres.
Mas voltemos a tirar os olhos do palco e a observar em volta. A correria de pernas serpenteando quem está sentado é sem fim. Há quem passe totalmente aprumado, já preparado para uma longa noite de música. Há muitos que estão de fato de banho, calções ou biquínis, passeando por aí os seus insufláveis de mil e uma formas coloridas. Há também um topless que descontraidamente atravessa o relvado à beira-rio, procurando onde ficou o grupo de amigos.
Dos seis aos 60
Não é apenas nas atividades que se observa entre o público que este momento musical é diversificado. É também nas idades do público. Na mancha de toalhas e mantas que pintam a colina do verde relvado encontramos Joana Moutinho. Tem apenas sete anos, mas este não é o seu primeiro Paredes de Coura. Está sentada no colo da mãe, Alexandra, balançando, ao ritmo da música, a fita que tem na mão, e foi ainda com seis que pisou o festival pela primeira vez. Este ano, não entrarão no recinto, mas aproveitaram o facto de viverem perto para visitar um grupo de amigos - que vai da casa dos 20 à dos 60 anos.
Qual terapia à beira-rio, Raquel Martins, que vem acompanhada do percussionista Iuri Oliveira, arrancou a grande ovação quando, antes de uma das últimas músicas, afirmou que era dedicada “a todas as mulheres que já se sentiram diminuídas e limitadas nas suas carreiras e vontades pelos companheiros”. “Não se deixem diminuir”, pede. Os “urras” foram muitos.
Nem as dificuldades técnicas sentidas durante o primeiro concerto, com as colunas a estourar nos graves, desanimaram o duo em palco ou abrandaram as palmas de apoio na relva. Havia uma empatia que colmatou qualquer falha tecnológica. Valha-nos o humanismo das coisas.
Depois de Raquel Martins, subiu a palco Du Nothin, projeto de Duarte Appleton. Este mais energético, foi o rock ao pop, passando também pelo folk, numa mistura de originais com reinterpretações de clássicos como “Bang Bang (My Baby Shot Me Down)”, de Nancy Sinatra, ou “Can’t Get You Out My Head”, de Kylie Minogue. O ritmo e as intervenções conhecidas do público fizeram com que este, agora sim, parasse o que fazia. O concerto terminou com mais de uma centena de espectadores de pé, mexendo o corpo, uns mais ajeitados que outros, mas sempre sem ceder ao ritmo - o topless que vimos há pouco, aliás, regressa agora para a primeira fila, mexendo-se livremente ao som do rock que sai do coletivo Du Nothin. Houve ainda direito a moch, imagine-se.
E se falamos na parafernália do “Jazz na Relva”, não poderíamos deixar de referir os dois dinossauros de plástico que, a meio da atuação de Du Nothin, invadiram a plateia para deixar todos ao rubro. Duas figuras pré-históricas que fazem parte da banda de Appleton.
O “Jazz na Relva” acontece até sábado, nas duas horas que antecedem a abertura de portas do festival. Por este palco passarão ainda Aníbal Zola, Quase Nicolau, MUTU e Alina.