João Pedro Rodrigues, Cristèle Alves Meira e João Gonzalez levam cinema português a Cannes
"Fogo-fátuo" na Quinzena dos Realizadores e "Alma viva" e a animação "Ice merchants" na Semana da Crítica são os nossos filmes na Croisette.
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O anúncio dos filmes presentes em Cannes é sempre um processo complexo. Sobretudo no que diz respeito aos filmes em competição pela Palma de Ouro, há sempre decisões de última hora a tomar. Sabe-se que, por exemplo, os filmes franceses são os últimos a ser escolhidos e mesmo em cima da hora há pressões de todo o lado para que o filme deste ou daquele produtor ou distribuidor esteja na lista final.
As secções paralelas mais importantes do festival, que celebra a 75.ª edição, a Quinzena dos Realizadores (54 edições completas este ano) e a Semana da Crítica (já em 61 edições), ficam então à espera de alguns filmes que "sobrem" da seleção oficial para compor a sua programação.
Entretanto, desde há alguns anos a esta parte, a seleção oficial deixa em aberto uma ou duas entradas para mais tarde. E este ano é a Quinzena a anunciar a sua programação informando também que haverá ainda mais uma longa-metragem, além das curtas e médias metragens, ainda por anunciar.
Tudo isto somado, torna-se difícil a quem analisa a seleção de filmes do seu país saber exatamente o que poderá vir a estar em Cannes quando o festival começar, no dia 17 de maio. Para já, no entanto, há alguns títulos confirmados.
Corria o rumor nos últimos dias que poderia haver um filme português em competição, o que não acontece desde 2006, com "Juventude em marcha" de Pedro Costa. Do mesmo autor, "Vitalina Varela" esteve até ao fim em lista de espera, e digamos que felizmente não foi selecionado, já que viria a transitar para Locarno, onde venceria o Leopardo de Ouro e o prémio de interpretação feminina.
Desta vez, seria "Fogo-fátuo" de João Pedro Rodrigues o tal filme a saltar da competição para a Quinzena? Certo é que a nova obra do realizador de "O fantasma" e "O ornitólogo" vai mesmo estar em Cannes, nesta última secção. Aliás, João Pedro Rodrigues já encerrou a secção Un Certain Regard em 2009 com "Morrer como um homem", depois de uma primeira participação na Quinzena, quatro anos antes, com "Odete".
Sabe-se que o mais difícil para um realizador é entrar na "família" de Cannes. Depois de passagens seja pela Quinzena, pela Semana ou por Un Certain Regard, a probabilidade de chegar à competição é grande. Não foi ainda desta para João Pedro Rodrigues, mas o realizador continua a ser um dos portugueses para quem tal pode vir a acontecer num futuro próximo.
Ao JN, João Pedro Rodrigues confirmou que a possibilidade da competição tinha mesmo existido, mas mostrou-se satisfeito com a seleção para a Quinzena dos Realizadores: "Estou muito feliz por voltar ao Festival de Cannes com a minha nova longa-metragem, 'Fogo-fátuo'. Foram uns dias complicados, numa luta intensa entre a Seleção Oficial e a Quinzena dos Realizadores. Acredito que a Quinzena, que tem uma tradição de ser ousada e inovadora, é o lugar certo para este filme".
Ao anunciar a sua programação, o comité de seleção assinalou o filme do realizador português como "uma fantasia musical e inesperada [...], um conto erótico e político, no qual um jovem príncipe descobre o quotidiano de um quartel de bombeiros".
"Fogo-fátuo" é uma coprodução luso-francesa, entre a Terratreme Filmes, House on Fire e Filmes Fantasma. Segundo a sinopse oficial, está-se em 2069, "ano talvez erótico - logo veremos - mas fatídico para um rei sem coroa. No seu leito de morte, uma canção antiga fá-lo rememorar árvores; um pinhal ardido e o tempo em que o desejo de ser bombeiro para libertar Portugal do flagelo dos incêndios foi também o despontar de outro desejo. Então príncipe, Alfredo encontra Afonso. Com diferentes origens e diferentes cores de pele, encontram-se, socorrem-se e o léxico do abuso fica farrusco de desejo. Mas a exposição pública e as suas expectativas interpõem-se e Alfredo abraça um outro estado de prontidão para uma realidade improvável".
Entretanto, anunciada esta quarta-feira a seleção da Semana da Crítica, lá se podem encontrar duas produções e uma coprodução portuguesa: "Alma viva", da luso-portuguesa Cristèle Alves Meira; a curta-metragem de animação "Ice merchants", de João Gonzalez; e o filme francês, com participação portuguesa, "Tout le monde aime Jeanne", de Céline Devaux.
"Alma viva", a primeira longa-metragem de Cristéle Alves Meira, rodada em Trás-os-Montes no verão do ano passado, assinala o regresso da realizadora à Semana da Crítica, onde já mostrara as curtas "Campo de víboras" e "Invisível herói".
Coprodução entre a Midas Filmes, a francesa Fluxus Films e a belga Entre Chien et Loup, o filme conta com atores como Ana Padrão, Esther Catalão, Duarte Pina, Nuno Gil e Pedro Lacerda, e foi rodado na região de Vimioso, de onde a família da realizadora é originária.
A história centra-se em torno de uma rapariga de dez anos que vem todos os verões de França passar as férias com a avó. Uma noite assiste, impotente e sem compreender o que aconteceu, à morte dela, de que se culpabiliza. Acusada pelas gentes da aldeia de bruxaria, desconfia que foi possuída pelo espírito da avó.
Também na Semana da Crítica teremos a estreia mundial da curta-metragem de animação "Ice merchants", do jovem João Gonzalez, nascido no Porto. Realizador, animador, ilustrador e músico, com formação clássica em piano, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fez mestrado na Royal College of Art, no Reino Unido, depois de terminar a licenciatura na ESMAD - Escola Superior de Media Artes e Design.