
“Uma brancura luminosa” é o primeiro livro de Jon Fosse publicado depois do Nobel.
FOTO: AFP
Novo livro do vencedor do prémio Nobel de 2023 relata a longa viagem interior de um homem solitário.
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Nunca saímos totalmente ilesos dos livros de Jon Fosse, o autor norueguês cuja escrita nos impele a entrar num universo muito próprio onde o despojamento e a busca de sentido caminham lado a lado.
Esses dois atributos manifestam-se de forma particularmente intensa em “Uma brancura luminosa”. No seu regresso à publicação depois de ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, no final do ano passado, o autor de “Septologia” eleva ambas as premissas a um nível quase radical, ao criar uma narrativa que, embora espantosamente simples na sua aparência, está impregnada de um vasto conjunto de reminiscências de ordem filosófica e espiritual.
Um homem entediado que conduz numa estrada secundária resolve afastar-se do rumo predefinido, com umas aleatórias guinadas à esquerda e à direita. De súbito, dá por si perdido no meio da floresta, com o automóvel atolado, envolvido por uma escuridão cerrada e um silêncio perturbador que o conduzem a uma espécie de transe sensorial.
Como se fossemos transportado para o âmago do seu cérebro, acompanhamos o fluxo ininterrupto dos pensamentos e a torrente de imagens que o visitam, quais assombrações a que não consegue escapar.
Vozes, vultos e clarões vêm então ao seu encontro, ao longo de um período de tempo que não chegamos a discernir, tão intensa é a experiência que vivencia. Num relato introspetivo marcado por hesitações e incoerências várias, o homem entrega-se à tarefa de rememorar uma e outra vez as circunstâncias que o conduziram até à presente situação, sem que vislumbre o caminho capaz de devolvê-lo ao estado anterior.
Nesta jornada de contornos místicos em que o confuso ser se vê aprisionado, durante a qual não falta sequer uma intrigante visita dos seus pais, há múltiplas interpretações que podemos atribuir à tal “brancura luminosa” que dá título ao livro. Sejam de caráter religioso, científico ou sobrenatural, de acordo com o sistema de crenças de cada leitor, o que parece evidente é a vontade de Fosse em explorar a estreita linha entre o mundano e o divino.
A luz que, no final, acaba por sugar o homem rumo a um estado de suspensão absoluta pode ou não ser Deus, mas é seguramente o sinal que o mistério de que somos feitos não dispensa uma procura incessante pelo desvendamento dos seus contornos.
