Jonás Trueba fala de “Volveréis – Voltareis”, em estreia nos cinemas.
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Em “Volveréis – Voltareis”, um casal que trabalha no cinema e vive junto há quinze anos decide separar-se e, para mostrar que continuam amigos, decidem organizar uma festa de separação. É esse o princípio do filme de Jonás Trueba, já nos cinemas, e onde o seu pai, o veterano do cinema espanhol Fernando Trueba, tem uma pequena aparição. Estivemos a conversar com o realizador.
Histórias de amor são um dos temas mais abordados no cinema. Mas o Jonás consegue dar-lhe uma grande volta.
Sim, era essa a ideia. As histórias de amor, de um casal, são quase um género próprio, na história do cinema. Gostávamos de participar nesse género e pormo-nos em diálogo com todos esses filmes dessa tradição. Não me importava de estar a fazer uma outra comédia romântica mas, contando o mesmo, dar um outro ponto de vista.
No início, diz-se que há histórias que são só para o cinema. Esta ideia de uma festa de separação é algo que conhece, na realidade?
Sim, algo como o que contamos no filme. É uma frase que ouvi do meu pai, na vida real, e que me ficou na cabeça durante muito tempo, até perceber que poderia ser a premissa de um filme. Era algo parecido com uma premissa de uma comédia clássica, daqueles que me fizeram apaixonar pelo cinema. Há uma ligação na minha cabeça entre a minha experiência pessoal, a minha cinefilia, o meu pai…
Continuando na cinefilia, há esse momento precioso da visita ao túmulo de Truffaut. Considera-o como um pai espiritual, no sentido artístico?
Gostaria de acreditar que sim. Foi um dos cineastas que mais me inspiraram, em que mais pensei. Vi todos os filmes dele, alguns várias vezes. Escrevi sobre ele, penso nele em muitos dias da minha vida. Gosto de pensar que é um amigo, alguém que posso consultar. Foi alguém muito importante, não só pelos seus filmes, mas pelo seu amor ao cinema, que soube contagiar outros cineastas, como eu. Penso que está um pouco esquecido, mesmo em França, e ainda significa muito, guarda uma moral do cinema.
Ao ver o filme também se pode pensar, aqui e ali, em cineastas como Eric Rohmer ou Woody Allen…
Tudo o que acabei de dizer de Truffaut poderia dizer também deles, cada um à sua maneira. Mas Truffaut é mais um pai espiritual. Rohmer é muito importante para mim, sobretudo pela forma de trabalhar a produção dos seus filmes. Tem isso em comum com Truffaut, ambos produziam os seus filmes. Em Rohmer gosto da maneira como consegue entrar nessa comédia humana de pequenas personagens.
E o Woody Allen?
Sendo americano, não é um cineasta de Hollywood, é um independente, embora tenha dependido mais de outros produtores, o que por vezes o fez sofrer. A minha afinidade com Woody Allen é mais como espetador. Ele fez a ponte entre o cinema clássico americano e o cinema de autor europeu. É uma ponte que está hoje destruída, ninguém faz essa ponte. Talvez Richard Linklater, outro cineasta de que gosto muito.
As cartas de Tarot de Ingmar Bergman existem mesmo ou é uma invenção para o filme?
Existem mesmo. São obra de um artista mexicano que as criou, pela sua admiração pelo cinema de Bergman. Quisemos homenagear estas cartas no nosso filme. Há uma página na internet onde as cartas se, podem comprar ou descarregar.
A Itsaso Arana e o Vito Sanz são já dois cúmplices do seu cinema. Aqui aparecem também como argumentistas. Como é que essa colaboração funcionou?
Essa cumplicidade era muito importante para mim, porque desde o principio que pensei no filme com eles como casal. Já tinham trabalhado comigo e já tinham interpretado casais e essa memória poderia ser boa para este filme. Ao mesmo tempo, queria que tivessem uma implicação concreta no filme, desde a escrita, que a pensássemos todos juntos. Sobretudo, queria que chegassem à rodagem com a sabedoria e a experiência de termos pensado o filme todos juntos, na sua estrutura e no seu tom.
O filme tem uma estrutura de onde não se pode sair muito. Houve ainda assim espaço para improvisação?
É verdade que o filme estava muito estruturado, o que me dava um pouco de medo, parecia-me um risco, parecer demasiado premeditada. Era esse o desafio, fazer um filme mais estruturado, mas ao mesmo tempo não perder a frescura e o mistério. Tentamos sempre fazer filmes que sejam vivos, que não se transformem na execução de uma ideia. O guião é algo que serve para chegar à rodagem, mas depois há uma série de coisas que têm de acontecer. Temos de estar abertos, deixar entrar as dúvidas, pormo-nos em questão.
A ideia de repetição, de rotina, como chave para o sucesso de um casamento, é uma teoria sua ou uma espécie de provocação?
É algo em que tenho pensado muito. Vivemos imersos numa repetição contínua. Não só no casamento, mas também com os amigos, nas conversas, nos gestos quotidianos. Eu gosto da rotina, não tem de ser algo de negativo. Repetição também significa amor. Repete-se algo de que se gosta, quer-se voltar a fazê-lo. Foi uma forma divertida que encontrámos de elogiar a repetição como um ato de amor.
O filme vai fazer pensar muitos casais, há essa ideia generalizada de que a rotina mata as relações. Talvez pela primeira vez um filme diz exatamente o contrário.
Creio que é uma ideia falsa que os casais de hoje têm. Há uma obsessão pela novidade. Procura-se a todo o custo sair da rotina. Mas é uma obsessão que conduz à frustração, porque a novidade também se esgota. Para mim a repetição é mais agradável do que a busca da novidade. Vivemos num mundo de usar e deitar fora. Queres algo de novo, mas quando já não é novo, quer-se outra coisa. Pode parecer um discurso conservador, mas não creio que seja. Também pode ser um discurso moderno.
Olhando para o filme percebe-se que tem uma grande crença no poder do cinema. No amor é um otimista ou um desiludido?
Eu acredito no amor, sempre acreditei, mas no amor de uma maneira que tem a ver com o que temos estado a falar. Tem a ver com a civilidade. E a minha maneira de entender a vida em geral, e aplico-a ao amor, à amizade, ao trabalho que faço, que é o cinema. O filme também mostra a dificuldade de nos mantermos fiéis, no amor e até no trabalho. É difícil manter a paixão. Mas essa dificuldade também é interessante. Mesmo o meu amor pelo cinema tem momentos altos e momentos baixos.
Para terminarmos, uma curiosidade: foi fácil convencer o seu pai a fazer um pequeno papel no filme?
Foi fácil porque percebeu bem quando lhe expliquei que filme queria fazer, como o ia fazer e porque o queria fazer. Falamos muito de cinema ao longo dos anos, partilhámos muitos filmes. O que lhe propus foi também uma forma divertida de por em cena algo que tem a ver com a nossa própria relação. Uma relação de amor com o cinema.