Jorge António está em Lisboa para uma mostra dos seus filmes na Cinemateca.
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Nasceu em Lisboa, fez o curso de cinema do Conservatório, acabou por se estabelecer em Angola. Num período de transição da sua vida, Jorge António realizou uma primeira longa-metragem de ficção, “O Miradouro da Lua”. O título refere-se a um local a cerca de uma hora de Luanda, junto à costa, mas com uma paisagem lunar. E a história centra-se num estudante de cinema convidado a ir a Angola por um pai que não conhece, cruzando-se com uma jovem angolana que regressa ao país. O filme passa amanhã na Cinemateca, comemorando os 30 anos da sua estreia e integra-se numa mostra de três dias de filmes do realizador. Hoje à noite são exibidas várias curtas e documentários e o ciclo encerra no sábado, com a exibição da última ficção do realizador, “A Ilha dos Cães”. Já em Lisboa, Jorge António falou ao JN.
O que significa para si esta homenagem na Cinemateca Portuguesa?
É sempre importante quando instituições também importantes, como a Cinemateca Portuguesa, se lembram de nós e dos nossos trabalhos. E a Cinemateca é importante para mim, porque desde estudante de cinema que ia à Cinemateca, fui amigo do João Bénard da Costa, ainda conheci o Luís de Pina.
O ponto alto destes três dias é a comemoração dos 30 anos da estreia de “O Miradouro da Lua”.
Foi a minha primeira longa-metragem e acabou por ser também a primeira coprodução luso-angolana. Se tivermos em conta que Angola não fez nada disto, nem sequer deu os parabéns, ainda mais importante isto é para mim. Fico muito contente e vim para estar presente e com amigos e pessoas que colaboraram comigo nos filmes que estão programados. Vão ser três dias muito engraçados.
Trinta anos depois, como é que olha para “O Miradouro da Lua”?
Eu gosto do filme, obviamente, é sempre um primeiro filme. Tem de ser olhado com um contexto específico. Tem os seus defeitos, mas se calhar são esses defeitos que fazem dele, à distância, um filme de culto. Toda a gente quer ver o filme. Disse à Cinemateca para não o programar como filme de abertura, porque toda a gente o tinha visto, mas a realidade é que é o filme que está a ser mais procurado.
Em Angola, foi feita alguma projeção?
O ano passado, no âmbito do Doc Luanda fizemos uma sessão muito engraçada no próprio Miradouro da Lua. É a 70 quilómetros de Luanda, mas estavam 300 pessoas que foram de carro para ver o Miradouro no Miradouro. É um filme que marca uma época. Eu não sou um realizador que fui a Angola fazer um filme. Eu fiquei em Angola. Mas para mim é já um filme muito distante. Já não é a mesma Angola, já não é a mesma Luanda. Vejo o filme de outra maneira, é um objeto de memória.
Esse culto de que fala estende-se também a Angola?
É curioso, porque um jovem realizador angolano, Wholoffe Barroso, está a fazer um documentário sobre o contexto da rodagem de “O Miradouro da Lua”. Nós descobrimos três horas de material do making-off da época que julgávamos perdidos. E a brincar disse-lhe que só aceitava que ele fizesse o filme se lhe chamasse “O Pior Filme do Mundo”.
Como é que está a situação do cinema angolano?
O cinema angolano teve vários altos e baixos E neste momento vive uma fase que tem a ver com as mudanças de paradigma em relação às questões técnicas. Hoje é possível filmar sem o peso de uma grande equipa e de muito equipamento. E é isso que está a ser feito. Os jovens que se interessam por cinema, se têm algum material e algum patrocínio, fazem filmes. Há imensos filmes de ficção a serem feitos, documentários também. O Doc Luanda recebe todos os anos cada vez mais documentários.
Que tipo de apoios é que esses filmes têm?
Tudo isto é feito a nível privado, não existe nenhum apoio estatal. O ANICA angolano, equivalente ao ICA português, não tem qualquer estratégia, qualquer fundo. Eu sou muito crítico. Os filmes podiam ser mais pensados, em função da história do país, do que seria interessante contar. Salvo raras exceções, as que vêm da Geração 80, uma produtora que realmente pensa os filmes e tem uma abordagem diferente. O cinema angolano ainda não tem expressão internacional, apesar de poder ter algum efeito local.
Sente que tem um papel na ligação entre o cinema angolano e o cinema português?
Não sou propriamente uma ligação. Quando comecei a ficar mais tempo em Luanda dizia de mim próprio que em Luanda era um estrangeiro e em Portugal já era o gajo que vivia em Luanda. De repente não era nem de um lado nem do outro, vivia numa espécie de limbo. Quando se vive num sítio pensa-se em função desse sítio. As histórias que queres contar são desse sítio. Mais do que pensar Portugal. Acabei por fazer filmes em Angola, e com a Maria do Carmo Piçarra vários livros sobre o cinema em Angola.
Fez a Escola de Cinema em Lisboa, como é que vê agora, à distância, o cinema português?
Sou sincero, não vejo muito cinema português. Mas tento ver o máximo. Sou do início da Academia Portuguesa de Cinema, sou sócio da Associação Portuguesa de Realizadores e é mais na altura da votação dos Prémios Sophia que tento ver tudo o que perdi, porque passo muito tempo fora. De vez em quando vejo alguns em canais de televisão. Há alguns cineastas que tento acompanhar porque os conheço, mas a maior parte já não conheço, porque não vivo em Lisboa. Há muita malta nova que só conheço de nome.
Mas do que vê, como analisa a situação atual do cinema português?
Do meu ponto de vista, o cinema português continua o que vinha a marcar nos últimos anos. É um cinema diferente, um cinema muito original, com um circuito internacional muito forte, com presença nos principais festivais de cinema do mundo. E tem conseguido manter isso ao longo dos anos. Isso é muito importante. Como é que um país pequeno, sem comparação com os grandes parceiros europeus, consegue ganhar tantos prémios internacionais. Só falta mesmo o Óscar para o melhor filme estrangeiro.
E como é que estamos de projetos?
A minha atividade com o festival Doc Luanda e na produção da Companhia de Dança Contemporânea envolve muito tempo. Pensava que não, mas de repente as coisas formaram uma espécie de bolha. E também estou envolvido em projetos que tenho de acabar, como um documentário sobre uma figura da música angolana, “Prado Paim, o Disco de Ouro”, o único músico angolano que ganhou um disco de ouro, uns meses antes da independência, e que ainda está vivo?
Quando é que volta à longa-metragem de ficção?
Estou a preparar um filme, que estou a escrever com o Virgílio Almeida. Ganhámos o concurso de desenvolvimento do ICA e estamos a tentar acabar de escrever o guião para concorrer para o ano à produção. Por isso, para o ano vamos ter dois documentários em que estou envolvido e vou voltar à ficção, no Namibe, o deserto mais antigo do mundo.