Mais conhecido pelo lado popular, baladeiro e festivaleiro, o artista encantou o público do Berço a cantar grandes poetas e a contar a história de uma viagem interplanetária.
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José Cid abriu o espetáculo, em Guimarães, na noite de sábado, com Frederico Garcia Lorca e Sophia de Mello Breyner, os temas “Ai” e “Vozes do Além”, a partir de um poema inédito da poetisa portuguesa que dá o nome ao último álbum do cantor e compositor de 82 anos, editado em 2021.
Para os que ainda não sabiam - eram alguns -, o artista avisou ao que vinha: uma noite de rock sinfónico com a primeira meia hora, em octeto, dedicada ao último trabalho (o 25º de estúdio), seguida por “10 000 anos depois entre Vénus e Marte”, o álbum de 1978, acompanhado pela Orquestra do Norte, dirigida pelo maestro Rui Pinheiro.
“Quem é que vem ver ‘10 mil anos’? - questionava José Cid, durante o “check sound”, quando lhe perguntaram se os bilhetes estavam todos vendidos. A resposta foi uma casa cheia: alguns é certo que vieram enganados, pensando que iam ouvir as músicas mais populares do cantor; outros estavam ali em homenagem à carreira; outros ainda, muitos, aproveitaram porque não souberam apreciar este álbum nos anos 70/80 mas agora, admiram-o como um dos melhores trabalhos de José Cid. A todos estes, juntaram-se os mais novos que descobriram que o rock progressivo também tem uma história portuguesa, como a dupla de jovens (abaixo do 30 anos) que, na primeira plateia, cantou todas as músicas e aplaudiu de pé.
José Cid demonstrou que é um mestre a lidar com as emoções do público. A seriedade que impôs a momentos sorumbáticos como quando falou do asassinato de Garcia Lorca aos 38 anos, “com uma obra inacabada”, ou da sombra de uma terceira guerra mundial que o acompanhou durante a escrita de “10 mil anos”, não o impediram de entusiasmar a assistência. Muitos não sabiam o refrão, “podes ver/ 10 mil anos depois/ no ecrã do radar/ um planeta vazio à espera que o descubram/ onde recomeçar outra civilização”, por isso, é notável que José Cid, acompanhado nesta parte pela fadista Beatriz Rosário, tenha conseguido por toda a plateia a cantar de pé.
A interação entre os músicos que acompanham o cantor e a orquestra foi perfeita. Os riffs da guitarra de Zé Miguel e os solos do saxofone de Manuel Marques surgiam como uma extensão natural dos músicos mais formais, sentados em segundo plano. Musicalmente o concerto foi irrepreensível e a equipa de vídeo também está de parabéns pelo trabalho que fez, não só pelaa projeção de pormenores do que ia acontecendo no palco, mas também pelas composições a partir das ilustrações da capa do disco, ajudando a contar a história.
Nova edição em Abril
A edição em vinil de “10 000 anos depois entre Vénus e Marte”, originalmente editado pela Orfeu, com ilustrações da Isabel Nabo, tornou-se numa raridade para colecionadores. Em 2014, quando a viagem cósmica de José Cid já era um disco de culto, os peruanos da El Virrey, à revelia da editora e do autor, lançaram uma edição quase indistinguível da original. Mas o que apareceu para recolher um autógrafo no final do espetáculo em Guimarães era mesmo um original, “uma herança passada de pai para filho”. Para abril, está prometida uma nova edição legítima desta ópera rock que conta a história de um casal de cosmonautas que foge da terra para escapar à destruição provocada por uma guerra nuclear que aniquila a vida no planeta.