Músico apresenta, esta sexta-feira, ao vivo o novo disco no Porto.
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As palavras de Federico García Lorca, Sophia de Mello Breyner e Natália Correia impulsionaram José Cid para o seu novo trabalho discográfico, "Vozes do além", que vai ser apresentado hoje à noite no Hard Club, no Porto, com os Prana como convidados. Amanhã é a vez do Capitólio, em Lisboa.
O que sente um músico com tantas décadas de carreira ao apresentar um disco novo?
Sinto que fiz um dos três meus melhores álbuns de sempre. É, antes de mais, um disco com grande poesia, o que torna tudo logo mais inspirador. Com poemas tão sublimes, fica mais fácil conseguir a qualidade. Ainda por cima, são poemas que abordam um tema difícil, como a vida depois da morte. Saber, em suma, o que acontece à nossa alma quando partimos.
Ao trabalhar tão de perto com esses poemas, repensou algumas supostas certezas?
Temos de acreditar. Numa das canções do disco, a única divertida, afirmo perentoriamente que o inferno não existe. Quando partir, vou fazer perguntas a Deus. Porque é que morrem pessoas que nos fazem tanta falta e andam outras por aí à solta que nem deviam ter alta? Às vezes, a morte parece injusta. Só vou saber essas respostas mais tarde, mas, para já, "Vozes do além" ajuda muito . É uma panaceia para o terror à morte.
A mensagem do disco faz mais sentido neste período duro?
Sim. Perdi a minha irmã este ano por causa da pandemia. Tinha mais 11 anos do que eu e era uma querida. Sempre foi a única pessoa na família que gostava de ouvir-me. Já em pequeno incentivava-me a cantar e a desobedecer aos pais, se necessário fosse.
O disco foi a sua resposta criativa à pandemia?
Não pensei muito nisso, mas pode ter sido, sim. Só na "bonus track" é que abordo essa questão, pois dedico o tema à minha irmã.
Nos concertos, apresenta o novo disco e "10 000 anos depois entre Vénus e Marte". O que proporciona o confronto?
O confronto permite a separação, porque os dois discos pouco têm a ver. Estes concertos levantam o desafio ao bom gosto musical e poético das pessoas e, por outro, o reencontro com um disco que bem conhecem e apreciam.
Como viu o apoio concedido por um fundo do Ministério da Cultura para a edição do disco?
Significa que as entidades oficiais estão mais atentas. Este é um disco de cultura, mas há muitos outros colegas meus que também tiveram apoios para fazerem divulgação da sua obra. Não chegou a toda a gente, mas esses 20 milhões de euros ajudaram gente do teatro, do cinema e da música. Como o meu apoio foi divulgado, tive muitas reações engraçadas, umas de inveja pura e outras de louvor.
Recebeu críticas de colegas?
Fui chamado ao telejornal de uma estação para ser julgado em direto! Quando percebi o que queriam, disse-lhes que o apoio me iria servir para mudar de carrinha, que já tem sete anos, mas também alugar um iate para ir passar férias às Caraíbas... No fim, disse-lhes para terem juízo. Quem tiver inveja que morda a língua e morra envenenado. É-me igual. Sei até de outros músicos que foram ao ministério protestar por que razão eu recebia apoio e eles não. O mais engraçado de tudo é que essa verba não chega sequer para pagar os gastos. É uma edição de luxo: só a fabricação dos vinis na Alemanha custa 15 mil euros, além de todas as outras despesas. Vou tentar recuperar um pouco o investimento com estes concertos.
Com ou sem apoios, o lado provocatório da sua personalidade continua bem vivo?
Eu não contesto, constato. Mentiroso não me podem chamar. Mesmo nas minhas declarações mais polémicas, dou sempre uma saída. Não agrido e fujo.
Mas arrepende-se de algumas declarações, como as que proferiu sobre Trás-os-Montes?
Essa frase foi tirada do contexto. Digam o que disserem, adoro Trás-os-Montes. Já dei mais de dez concertos solidários nessa região. A minha frase referia-se a camionetas de excursão, ou seja, 300 pessoas numa população de 300 mil. Não vivo no mundo das pessoas rancorosas. Já pedi humildemente desculpa. Trás-os-Montes pode não gostar de mim, mas eu gosto de Trás-os-Montes.
Ter um ego grande e ser capaz de aguentar críticas fortes é fundamental para se conseguir ter uma carreira longa?
Eu resisti. O número de pessoas que me ama é infinitamente superior ao das que me detestam. Vejo isso nos concertos de norte a sul. Sou seguramente o cantor que mais público leva aos concertos. E não preciso de organizar excursões, as pessoas vão porque gostam. O meu maior Grammy Latino é o amor do público. Não há memória de um artista português receber uma homenagem pública nacional como a que tenho tido.
Chega aos 80 anos daqui a pouco mais de um mês. Já pensou como vai festejar a data?
A RTP convidou-me na semana passada para fazer uma atuação em direto e ao vivo a partir de minha casa no dia em que celebro os 80 anos. Como nos grandes espaços ainda vai haver muitas limitações, faço um concerto para todos. É a melhor maneira de dar a alegria e a esperança que sempre quis fazer chegar às pessoas.