José Condessa: "Trabalhar com um génio como o Almodóvar foi um dos momentos altos"
Ator português parte esta terça-feira para o Festival de Cannes, a pretexto da estreia mundial de "Estranha Forma de Vida", de Pedro Almodóvar, do qual faz parte. José Condessa junta-se a Ethan Hawke, Pedro Pascal, os protagonistas, e ao próprio realizador, pronto para conquistar o mundo.
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A três semanas de celebrar o 26.º aniversário, o artista luso desfilará na Croisette, ao lado de estrelas mundiais, certo de que a representação não tem fronteiras e que é possível ir sempre mais longe. Isto quando conta os dias para também chegar à Netflix, a partir de 26 de maio, como protagonista da série portuguesa "Rabo de Peixe". Ainda este ano, mostrou-se num dos papéis principais na série "O Crime do Padre Amaro" (RTP) e integra a série "Lúcia, Guardiã do Segredo" (OPTO), além de ter acabado de rodar a minissérie "A Filha" (TVI). Tem ainda uma nova peça de teatro para concretizar.
José Condessa vive um mês intenso e inolvidável e é hora de aproveitar a experiência. Esta quarta-feira, em Cannes, posará vestido de Saint Laurent, a casa francesa que debuta no cinema com a produção da curta-metragem de 31 minutos de Almodóvar. Passadeira estendida, o artista luso declara-se pronto para outras oportunidades, sem deixar de trabalhar em Portugal, como sublinha em conversa com o JN.
A caminho de Cannes para a estreia mundial de "Estranha Forma de Vida". Como se sente?
Bem e, acima de tudo feliz por poder ver agora o projeto. Ainda não vi nada, mas também coincide aqui com a estreia de vários projetos importantes. Apesar de terem sido feitos há quase um ano é sempre bom perceber como é que o público vai receber estes projetos.
A curta-metragem de Pedro Almodóvar, para si, foi como que o clímax artístico?
Claro que sim! Poder trabalhar com um génio como o Almodóvar foi um dos momentos altos da minha carreira, até agora. Acima de tudo, porque sempre fui grande fã dele, de todos os filmes do Almodóvar. O facto de ser um não americano a romper completamente com a indústria de Hollywood faz-nos sentir quase como se fosse uma vitória um bocadinho nossa, da Península Ibérica. Depois, em várias conversas, o Almodóvar também confidenciou-me um pouco sobre a sua luta o que me fez ficar ainda mais fascinado com todos os filmes, mas principalmente com todo o lado sempre dedicado à liberdade. Poder trabalhar com um homem com esta importância não só na arte, como na sociedade, é incrível e muito prazeroso. Por isso, tentei beber o máximo do conhecimento, não só dele, como também das pessoas com quem trabalhei lá.
A história pessoal de Pedro Almodóvar prova que não é impossível chegar ao topo?
Sim, não é impossível. Não só com Almodóvar, mas também com Pedro Pascal, com quem tive oportunidade de privar neste filme, temos ideia de que é possível. Acredito que a abertura mundial que está a existir com as plataformas de streaming e na própria indústria do cinema, em que cada vez mais vão buscar atores a outros países que não onde se está a rodar, e a ideia de o mundo estar cada vez com menos fronteiras - pelo menos artísticas -, faz-nos sentir que estamos mais perto dessa projeção mundial. E não é só pelo reconhecimento, que não é só para isso que eu trabalho, mas para poder ter desafios novos, com pessoas diferentes e, como ator, contracenar com colegas com outros horizontes. Isso faz-nos crescer e quero acreditar que isso possa ser o meu futuro e do talento português.
Como foi interpretar a personagem de Pedro Pascal na versão mais nova no western?
Foi extraordinário, pois trocámos muitas impressões sobre a personagem para tentar ter uma ligação entre a fase nova e a mais velha que é ele que interpreta. O Pedro Pascal é um ser humano muito doce, muito humilde, muito trabalhador, com a particularidade de ser, agora, um ator de referência mundial e mais falado que não é americano. Apesar de ele ter nascido na América Latina, isso não o impediu de chegar ao mais alto patamar da representação a vários níveis, e foi isso que fomos falando. Também tive o privilégio de ouvir conselhos dele e trocar ideias sobre projetos, até de teatro, inclusive sobre a mesma peça que fizemos, cada um no seu tempo. É uma pessoa muito fácil de se estar e de se gostar.
O projeto foi rodado em Almeria, Espanha, mas é falado em inglês. Sentiu-se à vontade a interpretar na língua de Shakespeare?
Foi algo que foi trabalhado... Não é a nossa língua materna, mas é uma coisa que tenho vindo a melhorar, para estar preparado e quando surgirem os desafios os conseguir abraçar. Se calhar, também ajudou ser uma curta e entrar devagarinho, e não ser logo uma longa-metragem com muitas páginas ou uma peça de teatro que seria ainda mais difícil. Mas este tem de ser o foco para o futuro, seja em inglês ou em espanhol, que também já fiz. Há que nos adaptarmos, se queremos trabalhar para o mundo.
Foi com uma self-tape que conquistou o papel?
Exatamente, foi por meio de self-tape, primeiro num casting feito em alguns países. À medida que fomos passando, depois de algumas self-tapes, houve um casting em Madrid, até que soube que fiquei com o papel e foi muito bom.
Do cinema para o streaming
Este mês também chega à Netflix como protagonista da série portuguesa "Rabo de Peixe"...
Outro grande desafio, com mais meses de ensaios e rodagem, que exigiu também mais de mim, sendo protagonista. "Rabo de Peixe" abriu-me completamente a um universo novo, não só o do streaming, mas também por conhecer a própria realidade de São Miguel e de Rabo de Peixe, nos Açores. Fiz amizades incríveis e ter a oportunidade de fazer a personagem Eduardo, que é tão rica, é quase um bombom.
Entretanto, acabou de filmar a minissérie "A Filha", que irá para o ar na TVI em breve...
Acabamos de rodar no final do mês passado e é também uma história com grande densidade, que também me fez explorar outros mundos, como a paternidade, que nunca tinha feito ou, pelo menos, não tinha tido tanto impacto na história em si. Fez-me descobrir algum amor incondicional por esta criança e a luta incansável de um pai que procura a filha, apesar de nunca a ter conhecido. Além disso, voltei a contracenar com o Diogo Infante e a Dalila Carmo, que são atores que admiro e com quem aprendi muito e continuo a aprender.
Já trabalhou também no Brasil. Para um ator, é importante desejar o mundo?
Nesta nova geração, o mais importante é termos a noção que o nosso público é maior do que há 20 ou 10 anos, e até há 3/4 anos. Em Portugal, começamos a ter a realidade de uma plataforma de streaming o que permite, por exemplo, como aconteceu comigo, trabalhar com um realizador - o Almodóvar- que, apesar de estar aqui tão perto, não era uma realidade para os atores portugueses. Isto começa a ser uma coisa que é possível e se queremos fazer parte desta mudança - e eu quero fazer parte da ficção nos próximos anos - temos que saber trabalhar para o mundo. O nosso público agora não se resume ao público português, é mundial! Sempre consumimos coisas de outros países e agora chega a vez de Portugal produzir para outros países, e o ator tem que estar preparado para isso.
Pronto para grandes desafios e viagens, mas sem nunca se desligar de Nisa, no Alentejo, a terra dos seus avós. É importante regressar às origens?
Até agora, para mim, Nisa é o espaço mais especial do mundo. Tem muito a ver com as raízes, as histórias e as memórias que construí lá. Também é o sítio onde me consigo reconectar para conseguir ter a energia e as baterias recarregadas para estas andanças mundiais ou trabalhos de muito tempo, seja em Portugal ou fora. Além disso, não quero deixar de trabalhar no meu país.

