Decano dos editores portugueses, José da Cruz Santos é homenageado pela Faculdade de Letras do Porto com a exposição “O editor e a cidade”.
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Entre as Publicações Europa-América, Portugália, Inova, Oiro do Dia, ASA e Modo de Ler, são 66 anos dedicados a uma causa, os livros, que, no seu caso, sempre foi muito mais um amor do que uma simples profissão.
Aos 88 anos, José da Cruz Santos, “o inventor das edições impossíveis”, vê o seu percurso ser homenageado pela Faculdade de Letras do Porto na exposição “O editor e a cidade – glicínias para José da Cruz Santos”, patente até setembro na Casa dos Livros. Ali, entre muitas dezenas das suas edições mais emblemáticas e objetos pessoais, é possível encontrar também depoimentos de personalidades como Ramalho Eanes, Valente de Oliveira, Mário Cláudio ou Isabel Pires de Lima, nos quais “o lirismo discreto”, “a férrea vontade de chamar a atenção para os nossos maiores da literatura, das artes e da cidadania” ou “o labor dedicado e quase missionário” são amplamente referidos.
“Só pode ter sido feito por simpatia”, balbucia o editor, que em tempo afirmou ser a amizade “o mais belo lugar da Terra”. Tal como as suas amadas glicínias, delicadas na haste e fortes no tronco, também a “amizade é sólida, mas simultaneamente frágil”.
Um editor autor
Ao longo de tantos anos no meio editorial, foram incontáveis os amigos que fez, mas com dois deles construiu uma relação especial: Eugénio de Andrade e Vasco Graça Moura. Do primeiro, publicou perto de quatro dezenas de títulos, entre antologias e edições especiais; já Graça Moura começou por ser seu advogado até que, impressionado com um poema da sua autoria que leu, o desafiou a publicar uma edição de luxo quando tinha publicado apenas até então algumas edições de autor. “A nossa única eternidade é a memória dos amigos, a menos que tenhamos uma obra que vá para além de nós, como é o caso de Eugénio e Graça Moura”, reitera.
Dos milhares de livros que publicou ao longo das décadas, alguns ganharam o carimbo de eternos. “Daqui houve nome Portugal”, “o mais belo retrato das gentes e das pedras do Porto”, como chegou a ser definido pela imprensa, ocupa um lugar especial, admite, mas em tudo quanto lançou seguiu à risca uma máxima do mítico editor francês Gaston Gallimard, cuja chancela homónima é, ainda hoje, uma referência no mapa literário francês: “O verdadeiro editor é o que gosta de fazer as edições que gostaria de encontrar como leitor e não encontra em lado nenhum”.
Sem esforço, consegue citar de memória os principais editores durante o Estado Novo que colocaram em risco a sua subsistência, ao publicarem livros visados pela censura. Convencido de que o mundo da edição “tem um lado autoral”, defende que “a Cultura não se teria aguentado durante o fascismo sem o contributo dos editores”. Cruz Santos, que chegou a ver 40 das suas edições serem apreendidas, não se exime a fazer uma comparação entre a edição desse tempo e a atual, considerando que o “mercado hoje só é superior na quantidade”.
Formar leitores
Se o histórico de edições da sua lavra já seria capaz de encher de orgulho qualquer profissional do meio, o antigo diretor editorial da Portugália não desistiu ainda de ver publicados alguns livros. Um deles é a “versão lisboeta” de “Daqui houve nome Portugal”, coordenada por Vasco Graça Moura. “Está pronto, à espera de um apoio que o viabilize”, revela, lamentando que, ao contrário do que sucedia noutros tempos, estes projetos especiais estejam hoje dependentes de entidades externas.
Com uma livraria aberta na Praça de Guilherme Gomes Fernandes, o editor-inventor tenta disseminar o seu gosto literário pelos clientes. “Certa vez, uma senhora perguntou-me se tinha à venda algum livro do José Rodrigues dos Santos. Disse-lhe que só tinha de outro José Rodrigues, o Miguéis. Convenci-a a comprar o exemplar e disse-lhe mesmo que, se não gostasse, lhe devolvia o dinheiro. Como não apareceu, deve ter gostado”, conta, divertido o editor para quem “os livros são a “única paixão a que fui fiel toda a vida”.