Autor colombiano escreve sobre a dor e o medo dos que são vítimas da violência no seu novo romance “Canções para o incêndio”.
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Há muito que nos habituámos a associar a imaginação transbordante e a escrita profundamente alegórica à literatura oriunda da do América Sul, impulsionada pela força narrativa de autores como Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes ou Mario Vargas Llosa, entre tantos outros.
Mas, no último par de décadas, outros nomes têm vindo a reposicionar essa matriz em esferas mais próximas do realismo trágico – dado o cenário sombrio retratado nas obras – do que propriamente do realismo mágico que ajudou a transformar a literatura.
De entre esta vaga de nomes, o colombiano Juan Gabriel Vásquez é, indiscutivelmente, um dos mais interessantes. Sem se furtar à herança e influência dos grandes escritores do seu continente, deteta-se de forma premente na sua escrita e na temática dos livros uma dimensão introspetiva que está nos antípodas do tom efusivo supostamente característico daquelas paragens.
A permanência de longos anos na Europa e um contacto intenso com prosadores como Faulkner ou Hemingway incutiram aos seus livros um padrão cujas normas internas obedecem a um propósito claro: a escrita como uma tentativa de investigar o que escapa ao nosso entendimento mais imediato.
Essa linhagem literária ganha particular densidade no mais recente livro do autor publicado em Portugal, um volume de contos atravessados pela dor, a injustiça, o medo, a vergonha ou a humilhação.
Seja um pai incapaz de processar a morte de um filho ou um grupo de rapazes que sublimam as frustrações acumuladas em sangrentas lutas de rua, Vásquez escreve quase sempre pelo prisma das vítimas, danos colaterais de engrenagens comandadas por figuras sem rosto conhecido.
A indagação permanente sobre as origens da violência – tema inescapável num país, como a Colômbia, onde as feridas causadas pela guerra civil tardam em cicatrizar – é uma marca indissociável dos livros do autor de “Olhar para trás”. Mais do que a busca de respostas, o que o move, como enunciou Tchekhov, é a tentativa de formular as perguntas certas.
A certeza “de que tudo pode ser ficção ou, o que é pior, de que tudo pode ser verdade” não abala o tom seco, mas intenso, com que Juan Gabriel Vásquez nos confronta com realidades situadas para lá da nossa compreensão.