Juan Ricardo Nördlinger deixou para trás a Argentina e a medicina dentária para se dedicar a tempo inteiro ao exercício artístico em Portugal.
Corpo do artigo
Aos 72 anos, Juan Ricardo Nördlinger ousou mudar de profissão, de país e até de continente para se dedicar em pleno à atividade artística. Para trás, ficou a Buenos Aires natal e o exercício da medicina dentária, traves-mestras durante décadas de uma vida na qual a paixão pela arte sempre foi uma certeza, mas subordinada aos constrangimentos do tempo.
Três anos volvidos sobre a(s) drástica(s) mudança(s), o arrependimento é um estado de alma que não lhe assiste. “Há uma sensação incrível quando se muda de país. É como se não tivéssemos passado. Precisamos de começar uma nova história, porque ninguém sabe o que deixámos para trás”, diz, rodeado pelas telas que emolduram o seu ateliê invulgarmente cuidado na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia.
O ímpeto que o fez largar sem hesitação a capital argentina é agora canalizado em absoluto para a criação das obras artísticas em que trabalha diariamente, sejam pinturas, esculturas ou cerâmica.
Se, durante mais de três décadas, a inspiração vinha do bulício de uma metrópole com mais habitantes do que a totalidade da população portuguesa, agora já começa a transpor para os seus quadros (e não só) as paisagens com que se vai confrontando nos passeios regulares que faz pelo país, sejam no Douro ou no Alentejo.
Ferozmente intimista
A sua pintura, ferozmente “intimista e expressionista” como a classifica, não fica indiferente aos estímulos visuais constantes que encontra no dia a dia e só lamenta mesmo que os portugueses não valorizem mais o seu património cultural. “Aqui tudo é História. Encontramos facilmente edifícios ou obras com muitas centenas de anos, o que é espantoso para quem, como eu, vem de um país que não tem mais do que 200 anos”, observa, sem deixar de reconhecer, porém, que, malgrado todas as crises por que tem passado ciclicamente, a Argentina atribui uma importância à cultura que diz não ter encontrado em Portugal.
Já adaptado a 100% à nova realidade e casado com uma cidadã portuguesa, tem-se desdobrado em exposições individuais e coletivas. Depois de, no ano passado, ter exposto na Galeria Ap’arte, na Rua de Miguel Bombarda, está a participar na Bienal Internacional de Arte de Gaia com uma obra que se encontra no Polo do Peso da Régua, ao mesmo tempo que apresentou os seus trabalhos no Mosteiro de Ancede, em Baião, numa mostra intitulada “Um olhar, um pincel, uma mancha, um quadro”.
Em preparação está já uma exposição de grande dimensão na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto, com inauguração apontada para o último trimestre do ano.
Embalado pela memória e emoção, Nördlinger diz estar constantemente em busca de novos elementos que lhe permitam desafiar-se enquanto artista. Para a próxima exposição, está a trabalhar pela primeira vez em telas de poliéster, o que, garante, tem sido muito estimulante. Parte desta vontade de experimentação vem do seu esforço de longa data de “ser uma pessoa e um artista diferente”, sem que com isso deixe de tentar criar uma “identificação forte”: “Já na odontologia, quando me dedicava à reabilitação oral, gostava de dizer que fazia esculturas”.
Para evitar o medo, “que pode ser paralisante”, o artista entrega-se com regularidade a novas técnicas e garante almejar um diálogo com o espectador que possa transcender a esfera artística. “A arte é verdadeiramente mágica ao chegar a outros”.