Um breve ensaio do escritor britânico sobre o forte impacto do tempo na esfera do indivíduo.
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Até muito recentemente, acreditava-se que tudo quanto se devia saber sobre um determinado autor estava nos livros que escrevia. A ideia não era de todo destituída de sentido, mesmo que não fosse imune a frequentes mal-entendidos, como o de achar que a visão de uma personagem correspondia forçosamente ao ponto de vista do seu criador.
Com o triunfo em toda a linha dos princípios da sociedade do espetáculo, nem a literatura escapou a esses ditames, transmitindo aos escritores a ilusão de que as suas opiniões contêm uma relevância tantas e tantas vezes desmentida pela banalidade das mesmas.
Nem será esse o caso de Julian Barnes, embora só com muito boa-vontade possamos colocar "Mudar de ideias" numa lista, mesmo que alargada, das suas obras mais recomendáveis, nas quais a imaginação não exclui o rigor.
Adaptação de um conjunto de crónicas do autor do magistral "O papagaio de Flaubert" originalmente transmitidas pela rádio pública britânica, "Mudar de ideias" é composto por cinco micro-ensaios em que o ficcionista inglês discorre sobre questões ou tópicos como a memória, a política, o tempo, os livros e as palavras.
Uma ideia-base percorre estes breves textos: mudar de opinião sobre um tema não é sinónimo de inconsistência, hesitação ou até sintoma de um caráter débil, como tantas vezes se acusam aqueles que passam por processos semelhantes, mas um indício da mente aberta e do espírito livre que devemos ter perante a vida.
"É um privilégio humano" quando isso acontece, sentencia o autor, que se socorre de uma conhecida máxima de John Maynard Kaynes ("quando os factos mudam, em mudo de opinião") para vincar a sua posição.Polvilhados de memórias, estes textos valem sobretudo pela defesa serena que Barnes faz da importância da memória como baluarte da essência da individualidade, sem que isso signifique uma visão estanque ou cristalizada da nossa vida.
Afinal, é possível que as marcas do tempo tenham erodido de tal forma os contornos de passado que as semelhanças entre a memória e o efetivamente vivido sejam quase nulas. Nada que nos deva perturbar por aí além, afiança o escritor, "realista cético" como se define, porque a "nossa perceção da memória varia com os anos".