Katia Guerreiro: "A beleza e a magia da música estão na aproximação dos géneros"
Katia Guerreiro é uma das convidadas no concerto de Plácido Domingo, este domingo, na Altice Arena, em Lisboa. Momento de diálogo entre o fado e a ópera.
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“O fado e a ópera contam histórias de forma lírica, são ambos românticos e emocionais. Mas os registos vocais são distintos. O fado não tem técnica, é um canto espontâneo, enquanto a ópera depende de uma técnica rigorosa.” Eis o que aproxima e distingue o fado e a ópera nas palavras de Katia Guerreiro, que será hoje convidada no concerto de Plácido Domingo, na Altice Arena, em Lisboa. Um reencontro de vozes que será “uma coisa linda, com grandes novidades”, promete a fadista.
Foi em 2017, no mesmo recinto, que o tenor espanhol e Katia Guerreiro partilharam o palco, com a portuguesa a interpretar “Foi Deus” e “Coimbra”. Mas houve um conjunto de episódios anteriores que propiciou esse momento. O primeiro teve lugar num hotel em Berlim, em 2007: “Estava a tomar o pequeno-almoço e de repente vejo o Plácido Domingo na sala”, conta a fadista ao JN. “Fiquei em êxtase e não resisti a abordá-lo. Chamei-lhe ‘mestre’, apresentei-me e começámos a falar sobre fado, sobre a Amália e a Argentina Santos. Ele desfiou as suas memórias de Portugal, confessou-se um apaixonado pelo fado e começou a cantar para mim.”
Estava estabelecido o contacto e a cumplicidade foi imediata.
Noutro momento, já em 2012, foi Plácido Domingo a ouvir, pela primeira vez, a voz de Katia Guerreiro numa atuação ao vivo. Aconteceu nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos durante uma cerimónia promovida pela Europa Nostra, organização não governamental associada à Unesco. “Ele estava a sair de um ensaio com a orquestra juvenil da Casa Pia e assistiu à atuação”, diz a cantora. Terá gostado bastante, porque “no momento em que ia discursar no evento, largou o papel e começou a improvisar, falando do fado e da minha voz.”
O projeto de se juntarem num espetáculo ia ganhando forma: no ano seguinte voltam a cruzar-se em Bruxelas, no Palais des Beaux-Arts, em mais um concerto de Katia Guerreiro. “Houve esta série de coincidências que nos foi aproximando”, diz a fadista. Até que finalmente a ideia de uma parceria se concretizou. “Foi um privilégio gigantesco e uma experiência extraordinária. E foi tudo bastante fácil nos ensaios. Quando se trabalha com pessoas generosas e apaixonadas é tudo simples”, diz a cantora, que interpretou a solo e também acompanhada pelo tenor, um dos três mais célebres dos últimos 50 anos, juntamente com José Carreras e Luciano Pavarotti.
No concerto deste domingo, que contará com a presença de 65 músicos da Orquestra Sinfonietta de Lisboa, dirigida pelo maestro Jordi Bernàcer, e também da soprano arménia Mané Galoyan e do filho do cantor, Plácido Domingo Jr., haverá algo semelhante. “Vou interpretar dois temas sozinha, acompanhada pelo meu trio. E noutras canções estarei junta com o Plácido”, diz a fadista, que não fornece, no entanto, grandes pistas sobre o que irá acontecer. “Neste tipo de concertos, que não são ópera, é comum os cantores revisitarem o repertório e convidarem vozes que representam outras tradições musicais.”
E a “magia da música”, para Katia Guerreiro, reside nesse encontro entre as diferenças. “O Plácido tem consciência de que não canta em registo de fado. Mas eu também lhe disse que ele tem estatuto e legitimidade para cantar o que quiser. A beleza está nessa aproximação dos géneros sem que nenhum deles perca a sua identidade. Aconteceu quando cantei com a Maria Toledo: ela não tentou cantar o fado nem eu o flamenco.” O propósito mais alto é mesmo a “partilha de identidades, de culturas, de almas”. “Experiências que me ensinam a encontrar com o outro: é tudo o quero fazer na vida.”