“O Pub The Old Oak”, já nos cinemas nacionais, é o novo filme do cineasta britânico Ken Loach, que, aos 87 anos, revela ao JN não saber ainda se vai voltar à realização.
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Numa pequena localidade do noroeste de Inglaterra, quase desértica após o fecho das minas, os poucos que restam discutem no último pub da vila o que fazer com a chegada de um grupo de refugiados sírios. É “O Pub The Old Oak”, o novo e possivelmente derradeiro filme de Ken Loach. Aos 87 anos, com mais de meia centena de filmes e duas Palmas de Ouro de Cannes, foi no festival de que é presença regular que falou ao JN.
Nos seus filmes, os locais onde localiza a história costumam ser como que personagens vivas. Sente-se o mesmo nesta localidade. Porque decidiu filmar ali?
Fazer um filme numa pequena localidade que antes fora mineira é muito interessante, porque se pode contar toda uma história num microcosmo. Estas localidades foram construídas à volta das minas. E tinham o pub, as lojas, o centro social, a igreja. Todos os aspetos da nossa civilização. Quando a mina fecha, tudo se fragmenta. As pessoas vão-se embora, não há trabalho.
Essa é uma das mensagens políticas do seu filme?
Quando a velha indústria morre, a comunidade morre. É uma clara ilustração do que se tem passado nos últimos 40 anos. A destruição daquelas comunidades foi um ato político, por parte do Estado. Os sindicatos mais fortes eram os da indústria. Eram os mais radicais, com uma visão revolucionária. Quando a direita tomou o poder decidiu que os ia destruir, porque se sentia ameaçada. E destruiu-os.
É aí que coloca a questão dos refugiados…
Os refugiados representam a internacionalização destas lutas. Eles cristalizam os conflitos existentes na nossa sociedade. Esta história é importante porque o que se está a passar vai direita à raiz do problema, de como a nossa sociedade está organizada.
O filme fala de discriminação, de racismo, e de como pode ser combatido…
O antídoto é a demonstração dos benefícios da solidariedade. O elemento mais sólido na história da classe operária é a solidariedade. Como indivíduos, não temos poder nenhum. Como coletivo, temos um poder imenso. Há muitas organizações hoje em dia a trabalhar nesse sentido. Mas é um trabalho desigual, porque a direita controla toda a imprensa e todas as televisões. Pode fazer-se alguma coisa nas redes sociais, mas mesmo assim não se sabe bem como é que são controladas.
Este filme vem na continuidade dos seus trabalhos anteriores.
É uma sequência que começa com “Eu, Daniel Blake”, a história de um homem demasiado doente para trabalhar, mas a quem o Estado diz que tem de continuar a trabalhar. Se não aceitarmos o pior trabalho, o mais mal pago, o onde se trabalha mais horas, mesmo que se esteja doente, morre-se de fome. É essa a escolha que o Estado te dá. “Passámos Por Cá” mostra como tudo mudou no mundo do trabalho. Este filme mostra a consequência nas pequenas localidades dessas perdas da classe operária.
Quando é que se deu essa mudança, em Inglaterra?
A Margaret Thatcher foi uma presença destrutiva e maligna. A cultura que se desenvolveu a seguir foi a do individualismo. Cada um por si. Eu, eu e eu. Eu é que faço o meu caminho e o da minha família. Tu, não existes. Tu és o meu competidor. Se puder ganhar dinheiro contigo, ganho. Se te puder enganar, engano. Se puder vender alguma coisa por um preço mais elevado do que vale, vendo. Era essa a filosofia dela.
Sente alguma esperança hoje em dia?
Felizmente há muitos jovens que percebem que isto não está certo. Mas houve uma ou duas gerações em que o peso do individualismo foi devastador. O legado de Thatcher matou o sentido coletivo das pessoas. Mas acho que está a voltar. Há uma nova geração desesperada, que começa a ter este tipo de preocupações.
É esse sentido solidário com as pessoas que o motiva ainda a fazer filmes?
Continuar a fazer filmes com a minha idade é pura sorte. E a insistência de pessoas 25 anos mais novas que me pedem para continuar. Se temos uma boa equipa, porque teremos de parar? Mas é fácil falar sobre os filmes. Fazer um filme é fisicamente muito exigente. É como uma corrida de cavalos, mas daquelas com obstáculos. E é sempre preciso fazer mais uma volta.
Tem planos para um novo filme?
Agora não sei, é para mim difícil fazer planos para mais do que daqui a um ano. Tem sido uma sorte fazer parte de uma equipa tão consistente e tão criativa, mas é difícil dizer se vou fazer mais um filme. Vamos esperar pelo amanhã…