Quando a competição é cinzenta, são os clássicos que salvam o Festival de Cinema de Cannes. "Killers of the flower moon", com De Niro e DiCaprio, é um acontecimento cinematográfico de três horas e meia.
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O grande risco da apresentação de inúmeros filmes fora de competição, em alguns casos de cineastas consagrados, é o de transferir o maior mediatismo para esses títulos quando a competição pela Palma de Ouro é mais cinzenta, como o tempo chuvoso de Cannes 2023 até agora.
Um dia depois de o quinto tomo de Indiana Jones ter animado as hostes festivaleiras, foi a vez de Martin Scorsese estrear mundialmente "Killers of the flower moon", que seria o acontecimento de ontem na Croisette.
Produzido pela plataforma Apple e ainda sem data de estreia em sala em Portugal, o filme tem três horas e meia de duração, ao longo das quais Martin Scorsese, autor lendário de "Taxi driver", Palma de Ouro em 1976, e de tantos outros clássicos do cinema das últimas décadas dá aqui uma autêntica lição em como contar uma história.
A ação de "Killers of the flower moon" passa-se na década de 1920, nos Estados Unidos, no meio da comunidade dos índios Osage, milionários por terem descoberto petróleo nas terras que lhes foram destinadas enquanto reserva. Mas há uma família que tem uma estratégia para desviar a sua fortuna, liderada por um patriarca interpretado por um genial Robert De Niro, e que inicia nas suas atividades criminosas um novato agora chegado ao local, que tem a pele de Leonardo DiCaprio. No entanto, os diversos assassinatos de índios Osage levam a uma investigação do recém-criado FBI de Edgar J. Hoover.
"Killers of the flower moon" é uma verdadeira tragédia americana e um dos grandes momentos cinematográficos do festival, apesar da origem televisiva da produção.
Palma de Ouro ainda sem favoritos
Entretanto, a competição pela Palma de Ouro vai continuando, ainda sem aquele título perfeitamente consensual que cheira a prémio indiscutível. O mais próximo de que tal pudesse acontecer foi o novo filme de Nuri Bilge Ceylan, retrato da Turquia de hoje através do microcosmo de uma pequena escola, entre professores afetos à região montanhosa e repleta de neve onde o filme se passa e os alunos que ali estudam. Desta vez, é a palavra que domina as mais de três horas do drama do mestre turco, já vencedor de uma Palma de Ouro com "Sono de Inverno".
Todd Haynes não convenceu especialmente com o seu "May december", apesar da presença de Julianne Moore e de Natalie Portman, também produtora do filme. O documentário de Wang Bing, "Youth", peca pelo dispositivo muito repetitivo ao longo das suas também mais de três horas de duração. "Les filles d"Olfa", da tunisina Kaither Ben Hania, dividiu opiniões com o seu dispositivo de cinema dentro do cinema, o mesmo acontecendo com o mais experimental "The zone of interest", de Jonathan Glazer, revisitação de Auschwitz, vista pelo lado do quotidiano da família de um oficial nazi.