Novo documentário recupera o contexto e legado da obra de Anthony Burgess
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“Para termos liberdade de escolha temos de ter coisas entre as quais escolher. Isto significa que o mal é necessário para que exista o princípio da escolha, do livre arbítrio. Assusta-me a possibilidade do Estado se apoderar dos nossos cérebros e transformar-nos em bons cidadãos, sem o poder da escolha. Por isso, escrevi este romance.”
Chama-se “Laranja mecânica” e o autor é Anthony Burgess (1917-1993), que lamentou até ao fim que a adaptação para cinema de Stanley Kubrick, de 1971, o tenha tornado o mais famoso dos seus livros, associando o escritor à violência física e sexual.
Mas seria “Laranja mecânica” uma celebração da violência, que chegou a motivar crimes copiados da sua história, e cuja versão cinematográfica foi banida em países como Inglaterra ou Brasil? Perante a dúvida, Burgess sentiu necessidade de escrever “The clockwork condition” pouco após a estreia do filme, explicando a génese e a composição do livro. Nunca publicado, o manuscrito foi descoberto em 2019. “Laranja mecânica, os mecanismos da violência”, de Benoit Felici e Elisa Mantin”, apanha esse fio para reencontrar o contexto e legado da obra.
Resumindo grosseiramente: o jovem Alex e os seus sequazes dedicam-se a uma onda de violência na primeira parte do livro. Há drogas, Beethoven e um dialeto criado por Burgess, o “nadsat”, que mistura o inglês e o russo. Depois vem o castigo: Alex é preso e sujeita-se a um tratamento experimental, a “técnica Ludovico”, que visa extirpar os seus instintos violentos. O livro tem dois finais à escolha; a versão escolhida por Kubrick é a mais negra: depois de vários infortúnios, Alex recupera a maldade.
Num dos depoimentos do documentário, o artista chinês Ai Weiwei considera o livro profético, comparando o tratamento de Alex aos atuais programas de lavagem cerebral no seu país, onde se procura “erradicar impulsos criminais e indesejáveis, como ser gay”. A violência do cidadão não pode justificar a violência institucional como resposta, parece ser a principal mensagem deste romance que defende, acima de tudo, o livre arbítrio.
“Laranja mecânica, os mecanismos da violência” (2023)
RTP Play