Atriz francesa Léa Drucker conversou com o JN sobre “No Verão Passado”, já nos cinemas.
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Versão francesa de um filme dinamarquês, “No Verão Passado” conta a história de uma advogada de sucesso que, quando recebe a visita do filho adolescente de um anterior casamento do marido, vê a sua vivência perturbada pela paixão que começa a nutrir pelo jovem. Visto o passado de um cinema sensual e provocatório da realizadora Catherine Breillat, a conversa que o JN manteve com a atriz principal, Léa Drucker, teria de começar por aí.
Quando a Catherine Breillat a convidou não receou o que ela lhe iria pedir para fazer?
Não foi assim que as coisas se passaram. Foi o produtor que me telefonou, a dizer que gostava de me apresentar à Catherine. Falou-me do guião que tinham feito com base no filme dinamarquês. A ideia foi dele, a Catherine não conhecia muito bem o meu trabalho.
O que pensou então do guião quando o leu?
Fiquei impressionada com a história. Não tinha visto o filme dinamarquês. Achei o guião perigoso, ou melhor, assustador, mas muito interessante. Fiquei com muita curiosidade de a conhecer. Conheço um pouco da obra dela. Quando era adolescente via muitos filmes sobre a adolescência e ela fez um, “36 Fillette”. A Catherine é uma realizadora muito especial, os filmes dela sempre me perturbaram.
Como é que decorreu o primeiro encontro com ela?
Explicou como é que queria fazer o filme, como é que queria filmar algumas cenas. Falou-me de Caravaggio e da pintura do século XVII. Eu só ouvia, mas ela estava a observar-me. Não coloquei muitas questões, porque ela sabia exatamente o que queria fazer. Ela respira cinema. Não foi assustador, mas quando disse aos meus amigos que ia fazer um filme com a Catherine Breillat havia de ver as caras que fizeram…
Ainda há essa reação em França? Consegue explicar porquê?
Ela sempre fez filmes tão fortes, tão corajosos, sobre o desejo, sobre a transgressão. Alguns podem ser perturbadores e chocar algumas pessoas. Ela coloca um espelho à frente de alguns pensamentos que podemos ter, ou não. Mas algo que existe e que é bastante profundo. Mas não acho que ela queira provocar as pessoas deliberadamente. É a maneira dela ver o mundo e de o traduzir em filmes.
Como é que decorreu a relação pessoal com ela?
Quando falamos com ela percebemos que é uma pessoa obcecada com o cinema. Não fala sobre mais nada. Tem um espírito livre e foi muito corajosa, para uma mulher. Hoje tem 74 anos, não consigo imaginar como é que foi o caminho dela no mundo do cinema.
Como é que foram rodadas as cenas de sexo? Hoje em dia há conselheiros especiais para essas cenas…
Ela é completamente contra. Tem uma visão muito segura do que quer, não poderia trabalhar assim e eu respeito essa posição. Em termos teóricos pode proteger-nos. É importante que os atores e as atrizes se sintam seguros, quando fazem cenas íntimas. Quando a encontrei disse logo que tinha limites. E ainda por cima estávamos a trabalhar com um adolescente. Mas uma das primeiras coisas que a Catherine me disse é que não queria ver os corpos, só os rostos.
Isso facilitou o seu trabalho?
É verdade que fui para casa contente porque ia ser mais fácil. Mas afinal tornou tudo mais difícil. O rosto é algo de tão íntimo e tínhamos a câmara a uma distância tão pequena. A cena em que tenho de simular que estou a ter prazer foi muito complicada de fazer. A Catherine só falava de morte, de Caravaggio. Deixei-me ir nas palavras dela, na visão dela. Ela fala de uma forma tão bela, como uma escritora. Foi difícil, mas único.
A sua personagem tem algo de hitchcockiano…
Não o tinha percebido antes. Eu faço sempre uma abordagem psicológica às minhas personagens. Mas a Catherine colocou-me numa posição de grande exigência, em termos estéticos. É verdade que ela falava muito da Kim Novak, adora esse tipo de personagens, dos clássicos de Hollywood. Como as heroínas louras e frias de Hitchcock.
Onde é que ficou então a sua abordagem psicológica?
Guardei-a para mim, para tentar compreender o percurso daquela mulher e os seus movimentos. Tive de pôr de parte os meus pontos de vista morais. Não podia fazer esse tipo de julgamentos. Mas durante as filmagens ela coloca-nos num outro lugar.
Como é que trabalhou com o jovem ator? Pensou nele apenas como o ator com quem tinha de representar ou, no seu íntimo, viu-o como um adolescente?
Eu estava a trabalhar com um ator. Os pais dele são atores e leram o guião. Ele próprio sabia exatamente o que estava a fazer. Eu senti-me responsável, não queria que ele se sentisse desconfortável e deixei-o ser ele a vir ter comigo e colocar-me todas as perguntas que tinha para fazer. Nas cenas mais difíceis, ele portou-se como um ator, era quase ele que me estava a ajudar. Percebeu que todas as cenas tinham um sentido.
Como é que ele saiu desta experiência?
É um ator com um grande instinto. Quando se vê o filme percebe-se que ele é magnífico. E adorou a Catherine. Está a estudar som numa escola de cinema. Adora tudo o que tem a ver com o som. Interessa-se por outras coisas, como poesia.
Para si, qual é o sentido primário do filme?
É a reparação. Que pode ser algo de muito perturbador. Com esta relação proibida, ela está a reparar algo do seu passado, mas também está a destruir-se. É triste, mas é bastante humano. Para fazer este filme, tive de perceber onde estava a humanidade dela.