João Luís Barreto Guimarães, Prémio Pessoa 2022, falou pela primeira vez sobre a cadeira de poesia que leciona na Universidade do Porto, durante as primeiras Jornadas de Medicina Narrativa, promovida pelo Lusíadas Knowledge Center, em Lisboa.
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Médico, cirurgião, poeta, tradutor e professor de Poesia na Universidade do Porto, João Luís Barreto Guimarães foi também Prémio Pessoa 2002, o último acréscimo a uma já longa lista de galardões que inclui um Prémio de Criatividade da ONU em 1992. Este sábado, presidiu a uma palestra sobre a experiência de ensinar poesia aos alunos de medicina, no âmbito das primeiras Jornadas de Medicina Narrativa do Lusíadas Knowledge Center, onde explicou como levar poesia a futuros médicos é poder dotá-los de mais humanidade e empatia, entre outras ferramentas.
"A verdade é que não sabemos que sementes estamos a lançar", frisou. Nos Lusíadas de Lisboa, Barreto Guimarães, que concluiu agora o 2º ano da nova cadeira no ICBAS, esclareceu como o convite partiu de uma palestra que dera em Viena. A aceitação do convite e a forma de gerir o curso não foram lineares. "A minha preocupação inicial foi: o que ensinar?" disse à plateia, explicando que as aulas pretendem ajudar a saber ler e interpretar poemas contemporâneos sobre medicina, mas também tornar de alguma maneira os alunos pessoas mais receptivas aos doentes - por causa da poesia.
No final dos cursos, frisou, o objetivo é que os alunos saibam ler poemas contemporâneos e elaborem pequenos textos: sobre a parte técnica dos mesmos e sobre o tom de quem os escreveu, do ponto de vista humanitário e da compaixão. Ou seja, estão nas aulas todos os ensinamentos de poemas a nível de estruturas, estilos, métricas, mas a atenção recai sobre o assunto: e há poemas, que o escritor usa na cadeira, onde se abordam acidentes, biópsias, tumores, onde se fala de empatia ou falta dela, da visão de alguns doentes sobre os seu médicos, de Alzheimer, de medos, de 'burnout' dos profissionais de saúde. Tudo está lá, sabendo reconhecer: como a necessidade de saber o nome dos doentes, os cuidados humanistas por parte do pessoal.
Por exemplo, sobre "Out Out", poema de Robert Frost que aborda um acidente de trabalho infantil (e onde há criticas a este tipo de trabalho mas também à falta de compaixão e indiferença dos médicos que tratam o "personagem"), explicou: "ao analisar com os alunos percebemos enquanto médicos que, ao termos alguém que se cruzou no nosso quotidiano e em necessidade de uma determinada ajuda, podemos ter uma posição ativa de ajudar; ou uma posição passiva", frisou.
"Normalmente um poeta escreve um poema dos que escolhi para as aulas num momento de introspeção e intimidade. E se refletir sobre a vida, a morte ou a doença, a leitura posterior desse poema poderá ser uma janela para a alma de quem o escreveu que tem um paralelo no momento da anamnese: quando um médico questiona o doente sobre os seus sintomas mas também estado em que se encontra. E pode acrescentar experiência, a leitura desses poemas, aos futuros médicos" explicou depois da aula, ao JN.
Sobre se a poesia é catártica ou pode ser terapêutica, o médico, que publicou o seu primeiro livro aos 22 anos, diz que não identifica, no seu caso concreto, que escreva por uma questão terapêutica. "Mas o que é um facto é que já o faço há mais de 25 anos, e não consigo deixar de o fazer", adiantou ainda o JN.
A palestra terminou com poema de Elma Mitchell com o qual também o escritor também conclui o curso e que diz - ou resume - a dado ponto: "Até o mais simples poema, pode destruir a tua imunidade à emoção humana".