"Errôr", sexto álbum do agora trio, é a mais genuína e desconfortável tradução rock da era tenebrosa que vivemos.
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É o disco mais maníaco, tenso e desesperado dos Linda Martini. É um disco à beira da explosão, mas o estrondo apenas se ouve cá dentro. É o resultado de "andar a bater com a cabeça nas paredes", diz o vocalista André Henriques. Exercício a que nos dedicamos todos durante quase dois anos. E "Errôr" é a melhor tradução rock até ao momento dessa "realidade que se impôs sem quartel".
"Errôr", que tem edição em LP duplo e formato digital, é neologismo que remete para dois planos: os sucessivos atrasos na conclusão do álbum, dado o contexto de pandemia; e o processo musical da banda: "Nunca sabemos onde a canção vai parar, é uma viagem sem rumo. Um empurra para um lado, outro estica do outro, vivemos da incerteza e do erro".
Implacavelmente influenciado pelas circunstâncias recentes - "Taxonomia" é absolutamente demencial e brilhante na sua captação da paranóia entre quatro paredes, um hino bizarro ao confinamento -, "Errôr" regista outros problemas, porque "tudo se tornou mais nítido", explica o cantor: "A pandemia caiu-nos em cima como uma bigorna, era inevitável que contaminasse o disco, mas há aqui outros panos de fundo. É decididamente o álbum em que o hoje está mais presente".
Temas bicudos da atualidade interpelam o ouvinte: o racismo e a xenofobia em "E não sobrou ninguém", que deixa no ouvido a frase contundente "Cresceu-me um império de ódio no cu"; a saúde mental em "Super fixe"; as claques ideológicas em "Objecções à firmeza do olhar"; uma paródia ao air play e seus critérios em "Rádio comercial", que trata dos "porteiros que decidem quem pode ou não passar"; ou a crónica sobre os coraçõezinhos nas redes sociais em "Medallhinha": "As pessoas reagem da mesma forma à morte do Lemmy Kilmister [ex-líder dos Motörhead] ou à foto de um prato de comida: põem um coração. Já não é só a história de ser mais importante mostrar que se esteve num concerto do que estar atento à música, é mesmo o receio de ficar para trás quando todos demonstram, nas redes sociais, o seu pesar por alguma coisa: parece que competimos pela medalhinha do choro", diz André Henriques.
Musicalmente, "Errôr" segue a lógica inconformada dos Linda Martini: "Reagimos sempre ao álbum anterior para não repetir ideias: se o último era um disco de urgência, neste sobrepõe-se a ansiedade e o desconforto. É também o trabalho em que mais explorámos instrumentos que estão fora da nossa zona de conforto: o piano, o cajón, a guitarra clássica ou o violoncelo. É um disco denso, pesado, mais de implosão do que explosão".
Depois logo se vê
Sobre a recente saída da banda do guitarrista Pedro Geraldes, o cantor não se alonga: "Se até uma relação a dois é difícil, imagina a quatro. Houve divergências, desencontros, já não estávamos na mesma página. Mas este álbum é também do Pedro". No futuro imediato, haverá um elemento provisório a acompanhar os Linda Martini em palco. "Depois logo se vê: ou nos assumimos como trio, ou incluímos este nosso amigo, ou passamos a integrar outro instrumento. Está tudo em aberto."
"Errôr" será apresentado nesta segunda-feira 28 no Plano B, no Porto, seguindo-se uma digressão por vários pontos do país. Os Linda Martini são também uma das bandas confirmadas no cartaz do JN North Festival, que terá lugar na Alfândega do Porto, entre 26 e 28 de maio.
