Evento arrancou no Dia Internacional dos Museu e, até 30 de novembro, percorre vários municípios: Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé, Vinhais e Freixo de Espada à Cinta.
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Já diz o ditado que, “para lá do Marão, mandam os que lá estão”, atribuindo aos transmontanos e aos durienses a resiliência e a força que sobe e desce socalcos para fazer brotar os néctares e que consegue gerar viva com “nove meses de inverno e três meses de inferno”.
Talvez a sabedoria popular ajude a explicar, então, como é que em tempos de despovoamento iminente e em que não há um projeto político transversal para combater os problemas do interior do país, tenha surgido um projeto cultural com o objetivo de inscrever Trás-os-Montes no mapa da arte contemporânea nacional.
Rume então o leitor às terras para lá do Marão e, em particular, às que fazem a poesia do vale do Tua, para ver as exposições e participar nas diferentes atividades dasegunda edição da Linha de Água - Bienal de Arte contemporânea de Trás-os-Montes, que arrancou este sábado, 18 de maio, Dia Internacional dos Museus.
Com direção artística de Inês Falcão, a Linha de Água teve o seu primeiro dia de inaugurações no Município de Macedo de Cavaleiros, com um percurso que começou no Mercado Municipal, passando para o Museu de Arte Sacra / Casa Falcão e culimando no Centro Cultural.
Destaque para as várias performances que foram pontuando o circuito de exposições, como é exemplo a de Filipe Garcia (PT, 1973) no Centro Cultural, em destaque na imagem, e que se enquadra no trabalho que este artista multidisciplinar, partindo da relação da arte com os públicos e da evocação dos processos contemplativos e meditativos implícitos ao processo transcendental da criação artística, tem vindo a desenvolver.
No Museu de Arte Sacra / Casa Falcão, num difícil exercício de comunhão entre as diferentes propostas de artistas contemporâneos com a matriz de um edifício com outras utilizações e a identidade de um solar do século XVIII, destaque para a homenagem ao pintor Jaime Silva (PT, 1947), natural do Peso da Régua e que aqui apresenta um conjunto de obras doadas ao Museu do Douro.
Com a sua formação académica na Escola Superior de Belas Artes do Porto (atual FBAUP), passagens por Guimarães ou Paris e a afirmação de um percurso profissional em Lisboa, a pintura de Jaime Silva é o seu processo de estruturação de pensamento crítico sobre o mundo.
O artista articula o ver e o saber, dependendo da apropriação de conhecimentos e aprendizagens práticas, suportadas no devir do conceito, do espírito e na importância de entender as formas, reais ou imaginadas, de dentro para fora, ou seja, a partir do intangível, do indizível e do subjetivamente profundo.
Jaime Silva expõe, pela primeira vez, coletivamente, em 1975 e, individualmente, em 1976, ano em que o Grupo Puzzle (1975‐1981), uma verdadeira ‘contracorrente’ no contexto da produção artística e cultural que marca o país no pós 25 de Abril de 1974, se apresenta publicamente no Porto, em janeiro, num jantar/intervenção na Galeria Alvarez. Jaime Silva é um dos fundadores do grupo.
Nas intermitências entre o desenho e a pintura, num período de quase 50 anos de atividade, a obra de Jaime Silvavai da figuração dos anos 70 do século XX, com algumas reminiscências da pop e da escola inglesa, até se elevar a um expressionismo de gesto cada vez mais largo e violento, em variações de paleta fechada para as cores que nos levam à natureza enquanto fonte e força.
É um pouco de tudo isto que encontramos nesta singela homenagem que esta jovem bienal lhe presta.
A Linha de Água expande-se por outros municípios transmontanos – Alfândega da Fé, Vinhais e Freixo de Espada à Cinta – num total de oito espaços expositivos, onde se apresentam cerca de 150 artistas, enquadrados em diferentes projetos curatoriais.
As atividades prolongam-se até 30 de novembro de 2024 e, não desmerecendo o esforço e a coragem de avançar com a iniciativa, a mesma merece melhores infraestruturas, podendo oferecer aos artistas, no futuro, condições de exibição das suas obras que melhor se coadunem com a qualidade dos mesmos.