
Hugo Sousa/GNRation
Retropop dos EUA enche matiné do GNRation com 200 pessoas. Disco novo "Escape from evil" e uma cereja: tocaram uma versão da canção carnívora de Hall & Oates "Maneater".
Não fossem eles demasiado humanos e só gostaríamos de artistas assim. Ao terceiro tema do concerto deste domingo dos Lower Dens no GNRation de Braga, quando o som cresceu com o single "To die in LA" e vieram teclas e uma guitarra lascada que não estávamos a ver em palco, a vocalista Jana Hunter quis explicar o que se passava. A banda estava a atuar em trio de baixo e bateria, faltava-lhes o guitarrista Walker Teret, um familiar adoecera gravemente e ele teve que os deixar de guitarra gravada, por isso vocês ouvem-no mas não o vêem, dizia ela muito tímida a enrolar-se atrás do fio do microfone, é só para vocês saberem o que se passa aqui, ok? No fim repetiu a pose como quem se sente obrigado a dar explicações sobre a suspensão da descrença: bom, nós temos mais 3 canções, não vamos agora sair de palco e fazer de conta que não vamos voltar, por isso vamos tocá-las todas de seguida e depois vamos embora daqui, ok? E a meio disse: este sítio é cool e vocês são todos muito atraentes.
É uma sedutora hesitante, Jana Hunter, a voz dos Lower Dens (o nome talvez queira dizer baixa densidade) que nos veio mostrar "Escape from evil", terceiro disco do grupo americano criado em 2010 que gravita a nova onda de reinterpretação de 1980, a new wave e os românticos 4AD e lhes dá uma métrica retropop nova, com kraut, minimal vibrante. Sulfurosas, as suas letras falam de coração e escuridão e posse e perda: "Quem me dera poder contar contigo para seres meu" ("To die in LA"), "todos os meus medos a ganhar vida/ o tempo todo a querer-te aqui/ e juro uma vez e de vez, nunca mais, nunca mais" ("Your heart still beating") e só às vezes é que nos dizem que podemos enroscar-nos no paraíso.
Ao vivo, as suas canções de dançar sem alar são mais melancólicas, a luz é escassa ou é azul, eles fitam frequentemente o chão mesmo quando estão a tocar e às vezes não falam entre o silêncio das canções depois das palmas. O baixista Geoff é impassível e metronómico como o baterista Nate, Nate toca como um busto torcido de perfil e tem um ritmo militar minimal (magnífico no "Batman" debaixo da cascada de guitarras - as guitarras respigam e repicam como as de Guthrie nas tempestade de rendas dos Cocteau Twins), mas ambos parecem ausentes, desaparecidos na música, como se Jana estivesse realmente ali sozinha, às vezes também ela escondida atrás de pequenos acordes sirenais e da sombra da sua guitarra, a fechar os olhos, sempre a ignorar o céu. Ninguém na sala se move para lá do seu sítio, ninguém está a tocar em ninguém, há pouco movimento de bar, não se pode fumar, e vemos Jana Hunter numa camisa militar preta muito perto (parece uma camisa roubada, roubada a um homem maior do que ela), rapada, uma Siouxie sem cabelo de cara longa e expressionista, a dançar em pouca luz como Ian na elipse e o número é forte na locomotiva crescente de "Brains", na "Non grata" e sobretudo na surpresa da 13.ª e última canção.
Sem aviso, lentamente, como num sentimento furtivo, desenrolaram uma versão tenra até à medula do clássico carnívoro de rock "n soul de 1982 de Daryl Hall & John Oates, o "Maneater". A canção fala de uma predadora de homens, mas quando em 80 era cantada com exaltação, a glorificar o verniz e a perdição, aqui Jana Hunter cantou-a cheia de mágoa, como se a mulher fosse uma maldição imortal e encheu-a de melancolia.
Braga viu o último concerto de cinco semanas seguidas da digressão europeia dos Lower Dens, antes do regresso a casa, em Baltimore, e da nova tournée que começa em Janeiro no meio dos EUA no Ohio. Éramos 200, entre os 30 e os 40 anos, alguns trouxeram crianças, umas cresceram encavalitadas na sombra dos pais, outras encaracolaram-se escadas acima na sala à procura de segredos na escuridão.
