Lúcia Vaz Pedro: "Escrever uma cena erótica no feminino leva-nos ao teto do Mundo"
"Prova-me" marca a estreia da professora e escritora nos romances eróticos.
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Ao cabo de três dezenas de livros publicados, a maioria no ramo do ensino, Lúcia Vaz Pedro aventura-se no romance erótico. Em "Prova-me", a autora gaiense narra a história de Raquel, uma mulher que redescobre o prazer fora do casamento. À conta do livro, a professora afirma ter sido "desconvidada" por uma editora de grande porte para a elaboração de um manual escolar.
A história de Raquel, insatisfeita no casamento, é também a história de muitas outras mulheres. A liberdade de que ela dá mostras é também cada vez mais comum?
As mulheres sentem mais liberdade para afirmar os seus desejos e concretizar os seus projetos, quer a nível pessoal quer a nível profissional. No que diz respeito à busca do prazer, as mulheres são mais assertivas, assumem o que querem e como querem e não se submetem tanto aos homens.
Tirando a poesia, a literatura erótica sob o ponto de vista feminino não tem muitos cultores em Portugal. Como se explica a sub-representatividade?
Portugal ainda é um país com muitos preconceitos. Escrever um romance erótico remete para um género menor, literatura de cordel ou cor-de-rosa. No entanto, a boa literatura erótica tem muitos requisitos que não são contemplados num romance de outro género. De facto, dei por mim a ser muito mais criteriosa no vocabulário, a lapidar não só o texto e a frase, mas também a própria palavra que deve ser escolhida com subtileza. Para que um livro erótico aborde o sexo sem ser demasiado pornográfico tem de haver um equilíbrio, a medida certa, que nem sempre é fácil de encontrar.
Uma cena erótica escrita por uma mulher é muito diferente?
Nunca imaginei escrever um romance erótico. O pouco que tinha lido pertencia a escritores masculinos, como Marquês de Sade ou Henry Miller. Enquanto mulher, não me identifiquei com o género cru de descrever o erotismo. Em certas partes, cheguei a chocar-me. Perante o desafio, decidi colocar no papel a intensidade do erotismo aliada à subtileza da linguagem. Mostrar a capacidade de as mulheres sentirem com todos os sentidos a fogosidade de estar vivo. Descrever uma cena erótica no feminino leva-nos ao teto do Mundo e ao fundo do mar. As mulheres são a sua própria metade e têm a capacidade de completar os que se atrevem a suspirar ao lado delas.
Tem 30 livros publicados, sobretudo no ramo do ensino e infantil. Pensou duas vezes antes de escrever este romance?
Não pensei duas, pensei 20 vezes. Tenho uma vasta carreira, principalmente no ensino, o que poderia colidir com a escrita de um livro deste tipo. Contudo, pensei muito sobre o assunto e concluí que os alunos não leem. Tomara que lessem os livros que têm de ler! Relativamente a projetos escolares, tinha sido convidada para participar no manual escolar numa grande editora e pediram-me, depois de saberem deste romance, que assinasse o manual com o nome de Lúcia Pedro ou Lúcia Vaz. Não aceitei. Não imaginava o quão disruptivo seria assumir a minha identidade e o meu género, algo que até agora, do meu conhecimento, nunca tinha sido feito em Portugal.