
"Licença para espiar", uma continuação natural de "A bela Otero"
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Escritora uruguaia Carmen Posadas editou em português este verão "Licença para espiar"
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Carmen Posadas nasceu em Montevideu em 1953, filha de diplomata, e cedo aprendeu a viver entre fronteiras: Moscovo, Buenos Aires, Londres e Madrid, onde reside há décadas. Talvez por isso a sua literatura seja feita de olhares oblíquos, de quem observa o Mundo um pouco à distância, como quem espreita pela fechadura da História. Alguns críticos chamaram-na "a autora mais relevante da sua geração" na América Latina, e a consagração veio com o Prémio Planeta em 1998, por "Pequenas infâmias". Mas Posadas nunca parou aí: construiu uma obra vasta que vai do romance histórico ao ensaio, passando pela literatura juvenil premiada.
Em "Licença para espiar", regressa à sombra, território onde tantas mulheres viveram. O livro percorre figuras esquecidas: cortesãs, aventureiras, religiosas, traidoras, artistas, todas elas espiãs ou estrategas invisíveis que influenciaram impérios. Desde o primeiro capítulo, somos arrastados por uma sucessão de vidas entrelaçadas - da bíblica Raabe, cúmplice da queda de Jericó, à Balteira, jogral galega cujas intrigas cruzam o reino de Afonso X. Passamos por cortes, sombras, venenos da Índia longínqua, cortesãs que fizeram da sedução uma arma política, até à selvajaria de Mata Hari ou à sinistra Caridad Mercader, cujo talento traiçoeiro serviu uma causa monstruosa no século XX. Posadas costura-as como num bordado secreto, revelando que a História é também feita de sussurros e de silêncios.
Esse mesmo fascínio pela vida encenada atravessa outro dos seus romances históricos, "A bela Otero", onde recria a vida da mítica bailarina galega que fascinou reis e banqueiros na Paris da Belle Époque. Como se fosse continuação natural de "Licença para espiar", Otero mostra outra mulher que viveu da estratégia, do espetáculo e da sedução como armas de sobrevivência.
Ao lê-la, é inevitável lembrar outra uruguaia, Idea Vilariño, cuja poesia desarmante falava de ausências e feridas abertas: "Ya no será...". Se Vilariño nos ensinou a potência do silêncio íntimo, Posadas demonstra a força do silêncio histórico. Ambas, cada uma à sua maneira, revelam que o não dito, o espiado, o sussurrado - pode ser mais duradouro do que qualquer proclamação.
"Licença para espiar"
Carmen Posadas
2025

