Duo santomense exaltou este sábado a lusofonia e uma história que já tem 15 anos. Durante quase três horas, os irmãos António e Fradique levaram os fãs em viagem por uma carreira pejada de êxitos onde a gratidão pelo público é óbvia – e, ainda assim, reiteradamente assumida.
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Entre vários, há um momento de grande simbolismo no concerto dos Calema deste sábado no Estádio da Luz, em Lisboa. Quando a meio do espetáculo, António e Fradique Mendes Ferreira atravessam o público na plateia, do meio até ao palco, a apertar mãos e aceitar abraços, e a todos e cada um dos fãs que o abordam, Fradique diz: "obrigado" – foram muitos, os "obrigados". Pela presença, pelo apoio, não sabemos. Certo é que a história dos Calema parece saída de um filme: dois irmãos de São Tomé e Príncipe que tinham o sonho de cantar, quem sabe encher estádios como viam os grandes artistas fazer, “porque não?”, querendo sobretudo "tocar as pessoas" com a sua música. E que, com 30 e pouco anos de vida e 15 de carreira, fizeram história ao lotar o maior estádio do país, numa festa que foi da lusofonia, do público, até da música de estilo mais romântico, mas muito – e justamente – deles.
O burburinho em torno do Estádio da luz, a logística, era grande, à medida dos muitos fãs aguardados: portas abertas largas horas antes, bolsas de público para garantir entradas seguras, estradas cortadas, roulottes de comida, “dia de jogo” mas com música.
A produção também: com o concerto marcado para as 21 horas, o estádio perto da hora já estava cheio e teve direito a kiss cam, contagem decrescente para a entrada da banda e, mesmo antes da chegada dos irmãos a palco, um vídeo a acompanhar as suas vozes e explicar como “é aqui, na luz deste estádio, que celebramos a nossa jornada". Em palco, num concerto que foi preparado durante semanas por uma equipa internacional, ecrãs gigantes a todo o comprimento, fogos, dezenas de bailarinos, banda ao vivo, fogo de artifício, confettis, palco com passadeira em forquilha, os dois irmãosvestidos de início com fatos prateados meio futuristas, todo um enquadramento à altura do local e da situação.
O alinhamento também começou em força: “Te amo” logo na entrada, o som um pouco alto demais, logo seguido por “A nossa vez”, o tema que com eles fez história, ao ser o primeiro em português a ultrapassar as 100 milhões de visualizações no YouTube.
Mais de 50 mil pessoas
“Estádio da luz, agora é a nossa vez!” diziam os irmãos no final perante a primeira apoteose do público, massa de gente de todas as idades, crianças, adolescentes, não tão jovens, grupos, Fradique visivelmente emocionado junto à multidão, no estádio de mais de 50 mil que se lotou para os acolher.
A partir daí, o concerto foi uma assumida viagem, pelas fases do grupo, pela sua diversidade cultural, pelo seu passado, o seu percurso: houve “Perfume”, “Toca a todos”, “Alice”, “Maya”, “Eu e tu” com João Pedro Pais, um vídeo de Soraia Ramos a pedir desculpa por não estar presente, antes do tema que com ela partilham, “O nosso amor”, e ainda “Respirar”, com Sara Correia em palco.
Reiterando o convite do público para uma “viagem”, seguiu-se a canção homónima, público em festa, raros os fãs sentados mesmo nas bancadas, como aliás sucedeu na maior parte do concerto. De figurinos novos, a viagem, ou “voyage” como na trilogia de discos que os irmãos fizeram em homenagem a São Tomé, França e Portugal, levou-nos a “Allez”, e a “Mama É”, com o público a participar, cantar e dançar, movimento indominável desde o palco até ao terceiro anel, as muitas idades misturadas num só ritmo.
Entre os temas do seu caminho, os Calema iam agradecendo: “é graças ao vosso acreditar nos estamos aqui hoje”, repetiam, lembrando mesmo os grupos que tentaram e não conseguiram chegar a um concerto de estádio.
Língua portuguesa no maior estádio do país
Depois de “Leva tudo” com Dilsinho, bandeiras do Brasil nos ecrãs, juntam-se a Dino d'Santiago e as batuqueiras, com o cantor cabo-verdiano a elogiar “uma das histórias mais bonitas, Calema a trazer pela primeira vez a língua portuguesa ao maior estádio do país”, e colocando o público a gritar o nome do grupo.
A viagem ao passado levou-nos depois a um vídeo sobre origens dos irmãos, à São Tomé que os viu nascer e desenhar planos, quando “a música nos escolheu; e, para onde ela nos levar, nós vamos”, ouvia-se, no fundo, pelos irmãos.
Reta final com mais convidados, como o francês Tayc, e um artista que assumem sempre ter admirado, Anselmo Ralph para "Não me toca". Nova declaração de António ao público, “tudo isto é culpa vossa, que acreditaram em nós, que estão connosco desde o inicio”, citando “não vamos deixar que acabem com a nossa fé” para introduzir “A nossa dança”.
Entre outros êxitos, como o mais antigo “Vai”, e o mais recente “Amar pela metade”, outro momento novamente muito celebrado foi, como seria de esperar, “Maria Joana”, com a presença da fadista Mariza. Seguiu-se um final triunfante, com novos discursos e tempo ainda para “Onde anda”, com dezenas de milhares a gritar “onde anda essa mulher”, mesmo os que iam saindo do estádio.
A noite dos Calema no Estádio da Luz fechou-se com a certeza de que há um novo capítulo escrito, não só na história do duo, mas na da língua portuguesa; e de quem a canta, pelo mundo.