Luso-descendente criou "Borboleta", uma banda desenhada sobre a ditadura e a emigração portuguesas.
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Chama-se Madeleine Pereira, é luso-descendente e autora da banda desenhada "Borboleta", sobre a ditadura e a emigração portuguesas, que teve edição recente da ASA. De passagem por Portugal, para participar no festival "A Arte de ser Migrante", falou ao JN sobre o seu livro.
O ponto de partida surgiu "em 2019" quando se candidatou a "uma residência em Epinal, em que tinha de fazer um projeto em BD". Confessa algum "egoísmo, pois há muito queria saber mais sobre a família e o país" mas também "sensibilizar os franceses e os luso-descendentes sobre essas questões". Ela própria "sabia pouco de Portugal, só que tinha havido uma ditadura." O pai emigrou para a França "em 1973, com 13 anos, e o projeto era uma boa forma de aprofundar tudo..."
Não teve dificuldades em se representar como personagem no livro, porque faz "banda desenhada desde criança, recontando anedotas" que viveu. Considera até ser fácil de desenhar: "um grande nariz, sobrancelhas quase unidas e um cabelo simples". E conta que teve amigos que, afirmaram "ouvir" a sua voz quando leram a BD.
"Borboleta, é um conjunto de histórias de emigrantes portugueses em França, criadas a partir de entrevistas pessoais. O objetivo era destacar o "que cada um viveu" mas também queria "que cada personagem falasse um pouco sobre a ditadura". "De início, a ideia era narrar exactamente como as pessoas contaram as suas histórias", mas acabou por introduzir "acontecimentos que outras pessoas contaram".
Acrescentou informações que recolheu no "Museu do Aljube e também no arquivo da RTP". Nessas pesquisas, descobriu "uma realidade que desconhecia, o sofrimento das pessoas, o facto de as mulheres pertencerem ao pai, depois aos irmãos, depois ao marido, não tinham direitos nenhuns... As guerras coloniais..." Mas o que mais a impressionou "foi a Revolução, uma combinação de música com pacifismo, que não se vê em mais lado nenhum; foi muito bonita".
Um dos aspetos mais marcantes no livro, é imagem do pai que Madeleine traça, alguém "bloqueado em relação às questões da emigração e do seu passado em Portugal". Com o acompanhamento do progresso da obra e a publicação, houve "uma pequena abertura, mostrou fotografias, fomos à casa em tinha vivido, onde não ia há 30 anos... Estar lá foi algo muito forte para ele, graças a mim pôde vivê-lo". E acrescenta, divertida e orgulhosa: "Ele fez uma boa promoção, mandou o livro para todos os amigos e também na França, com a comunidade portuguesa."
Publicado originalmente naquele país, "Borboleta" teve o título em português porque "era importante que quem o visse entendesse que era sobre Portugal, que chegasse também aos portugueses". Para alguns dos seus leitores "foi uma surpresa saber que tinha havido uma ditadura em Portugal", mas outros "agradeceram o testemunho e as memórias".
"Borboleta" e Ronaldo
O título do livro tem uma história curiosa. Madeleine Pereira foi "com o pai e alguns amigos assistir à final do Euro 2016, em França; quando o Ronaldo se lesionou, houve borboletas que pousaram na sua face". Estava na zona da "claque portuguesa, uma pequena parte do estádio, e todos começaram a dizer que sem ele Portugal ia perder". Lembra que começou "a chorar, mas um homem" tocou-lhe no ombro e disse: "As borboletas trazem sorte. E depois Portugal ganhou".
Madeleine pensou narrar "este episódio inicialmente", mas porque não queria "desenhar um jogo de futebol, cheio de adeptos" acabou por desistir, mas "o título ficou". E revela que, "lembrando o episódio" desenhou "duas borboletas para os leitores encontrarem!"