Ministério da Cultura aceitou esta semana a resignação e garante que o maestro não terá de pagar os 30 mil euros de coima. Casa da Música afirma que as notificações de multa são "um procedimento normal" e lembra que "o processo não está concluído".
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Seis meses depois de ter renunciado ao cargo de administrador da Casa da Música, o maestro José Luís Borges Coelho, um dos três representantes do Estado naquela instituição, foi "surpreendido" com uma multa da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que soma quase 30 mil euros. Em causa está o processo sobre os falsos recibos verdes de dezenas de funcionários da Fundação Casa da Música. A primeira carta, assegura o musicólogo ao JN, foi recebida em novembro, com uma coima no valor de 4284 euros que, diz, é suposto pagar do seu próprio bolso. Desde então, e até esta semana, já recebeu mais seis notificações idênticas, que perfazem 29 988 euros. O presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, José Alberto Pena do Amaral, e a vice-presidente, Rita Domingues, terão sido multados em valores iguais, refere o maestro. Ou seja, foram multados três dos sete administradores da Casa.
Contactada pelo JN, a Casa da Música confirma "a notificação simultânea do presidente e dos dois vice-presidentes", garante que é "um procedimento normal" e lembra que "o processo não está concluído", pelo que seria "prematuro fazer qualquer comentário adicional".
Já o Ministério da Cultura, em resposta enviada ao JN, esclarece que só recebeu o pedido de demissão do maestro no dia 18 de dezembro, tendo aceitado o pedido esta quarta-feira, dia 27. A questão da notificação das multas não se aplicará, assim, a Borges Coelho, vinca a tutela, uma vez que "a sua exoneração retroage a 18 de junho de 2020".
"Renunciei ao cargo em junho por não concordar com a forma como a Casa da Música trata os chamados precários. Dei conhecimento a todos os responsáveis de que tomaria esta decisão, se o comportamento não se alterasse. Nunca recebi uma resposta, nem sequer um telefonema, nem antes nem depois da renúncia", lamenta. "Até hoje nunca ninguém falou comigo, nem a ministra, nem ninguém da Casa da Música. É um processo muito triste", diz. "Tenho 80 anos, estou doente e não merecia ser tratado desta forma".
No dia 18 de junho, Borges Coelho enviou um comunicado às redações justificando a razão da sua saída. Nesse texto defendia um "tratamento condigno" dos trabalhadores e dizia não aceitar "as represálias e intimações a que parte significativa" dos 92 signatários de um abaixo-assinado que denunciava a existência de falsos recibos verdes na Casa da Música estava a ser sujeita. O maestro foi o único dos sete administradores (três do Estado e quatro dos privados) a tomar o partido dos funcionários.
Nessa altura, a ministra da Cultura afirmou ao jornal "Público" que daria uma resposta ao maestro depois de terminar o inquérito da ACT e as audições que então decorriam no Parlamento sobre a situação da Casa. "Temos de aguardar pelos resultados desse conjunto de diligências para depois pensarmos em alterar o que for necessário", afirmou. Numa dessas audições, Pena do Amaral garantiu "não existir uma situação de falsos recibos verdes na Casa". A afirmação seria depois desmentida pela ACT, que detetou 37 casos de falsos recibos verdes, 19 dos quais já regularizados, disse ontem fonte da ACT à Lusa.
O inventor da casa
O maestro Borges Coelho, uma das figuras mais importantes da música coral em Portugal, está ligado à instituição há vinte anos, tendo integrado a Sociedade Porto 2001, a qual coube defender a construção da Casa da Música. Mas, antes disso, recordou agora ao JN, foi ele que, em junho de 1998, enquanto deputado da Assembleia Municipal do Porto, fez uma intervenção em que defendeu a construção de uma sala de concertos que deveria ser, também, a casa da Orquestra. Defendeu que deveria ser um instituto público e não uma fundação de direito privado. Esta Casa seria anunciada um ano depois por Manuel Maria Carrilho, então ministro da Cultura. "Nunca ninguém disse isto, ninguém se lembra, não faz mal. O que me custa é ter andado pelo Mundo e nunca ter visto uma instituição com esta qualidade a fazer tanta força para se autodestruir. Tenho muita pena".